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Neste solstício de 21 de junho, basta olhar na janela para constatar: o nosso velho e tenebroso inverno se aposentou por invalidez. O sucedâneo é um tal de inverninho, diminutivo que nem ao menos zero grau alcança. Verdade que ninguém é insubstituível. Entrementes, nos últimos anos o inverninho lá fora anda bem mixuruca.

O inverno ao sul do Trópico de Capricórnio não é mais aquele. Relaxado, esse inverninho nem de longe tem o caráter do nosso velho e tenebroso inverno. Falta-lhe autoridade. É um frouxo. Basta observar o comportamento desregrado dos ipês: florescem desobedientes à mãe natureza. Suas flores não têm mais hora para chegar, saem sem autorização, não pedem nem bênção à doce primavera. O inverninho é tão indecente que as flores amarelas dos ipês batem bolsinhas nas esquinas. Acinte aos bons costumes, saudades daqueles tempos mais católicos, quando os ipês só mostravam suas roupas novas na missa da Catedral, em setembro.

Estamos vendo da janela a dissipação da natureza, a decadência climática por falta da mão firme daquele velho e tenebroso inverno. Com esse inverninho banana, até as mocinhas da cidade perdem o respeito com o clima. Em julho – o tempora, o mores –, é possível apreciar uma polaca assanhada de saia curta, tomando sorvete sem o menor pudor. O azul invernal é esplendoroso, é verdade, convidativo ao pecado. Mesmo assim, a assanhada não pode se insurgir contra as tábuas dos costumes locais: o inverno merece respeito! Porque andar com as coxas de fora, mesmo com esse inverninho, só com muita falta de vergonha na cara.

Não podemos confiar em mais ninguém, muito menos na moça do tempo. Um dia ela nos diz que a frente fria saiu de Buenos Aires com destino a Curitiba. No outro, pede desculpas aos telespectadores e corrige dizendo que aquela frente fria portenha foi passar as férias de julho na serra catarinense.

Não é de hoje, sempre caímos nas armadilhas do tempo. Até os historiadores já foram ludibriados. Nos princípios do século passado, Jayme Dormund dos Reis deixou para a história um depoimento ("Das endemias de Curitiba") que, para os exagerados, até faz crescer a esperança de que ainda pode nevar no mês de agosto. Escreveu a Rua Jayme Reis sobre o clima de Curitiba:

"A neve em abundância é raro apreciar-se, mas todos os anos, quase sempre em agosto, ela faz-se representar, embora mui de leve. Quando ela tem de mostrar-se em toda a sua plenitude, faz-se anunciar por escuridão completa transformando dia em noite, por frio intenso e então majestosa, com suas amplas vestes alvíssimas, floconosas, desce, sendo recebida em espetáculo de gala pelos habitantes alegres que fazem-lhe ruidosa manifestação."

Bons tempos aqueles, de tenebrosos invernos, floconosas neves e abundantes adjetivos.

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