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Pergunta recorrente ao jornalista é sobre o trabalho que dá escrever uma crônica por dia, com ou sem dor de barriga, faça chuva ou faça sol. “De onde você tira tanto assunto?”, perguntam os amigos e leitores da Gazeta do Povo (aqui como coadjuvante de José Carlos Fernandes toda sexta-feira) e da Tribuna do Paraná (onde publico de segunda a sexta).

Difícil explicar os misteriosos desígnios de um autodidata, “ignorante por conta própria”, como definia o poeta Mário Quintana. Mais fácil é comparar o jornalista ao beque de futebol de várzea que, com a bola sobrando na pequena área aos 48 do segundo tempo, não tem outra alternativa senão obedecer à ordem do técnico: “Bola pro mato, que o jogo é de campeonato!” Ou seja, com ou sem inspiração, o jornal tem encontro marcado com o leitor.

Se ainda exercesse o papel do cartunista Ademir Paixão, hoje seria grato à Dilma Rousseff. Por falta de uma ideia melhor, desde sempre o que vem em socorro do chargista é o dragão da inflação

Nos meus tempos de cartunista, quando tinha de criar uma charge por dia no extinto jornal O Estado do Paraná, certo dia meu filho Pedro chegou a me perguntar: “Pai, o que você está fazendo?” “Estou desenhando a charge para o jornal” “E ainda te pagam pra fazer isso?”

Não pagavam tão bem, é verdade, mas nos divertíamos muito. Se ainda exercesse o papel do cartunista Ademir Paixão, hoje seria grato à Dilma Rousseff. Por falta de uma ideia melhor, desde sempre o que vem em socorro do chargista é o dragão da inflação.

“A felicidade é uma suave falta de assunto”, escreveu Rubem Braga, justamente a quem muitos recorrem na falta de insumos para encher a linguiça do dia a dia: “Braga escrevia ainda melhor quando não sabia sobre o que escrever”, dizia o poeta Manuel Bandeira.

Dos tantos que já escreveram sobre a ansiedade do papel em branco, lembro de Manoel Carlos Karam, mestre e parceiro no teatro e no jornal. Em uma de suas Crônicas de Alhures do Sul, assim o escritor e dramaturgo cumpriu com sua obrigação de ofício:

“O trabalho que dá escrever uma crônica. Eu acordo muito cedo pra começar o trabalho. Bebo um café sem açúcar. Verifico se chegou e-mail, respondo. Leio as notícias na internet. Ponho um disco de jazz. Abro a porta pro cachorro ir ao banheiro no quintal. Andou dando goiaba no caquizeiro lá de casa. Pode ter sido obra do cachorro, mas isso é outra história. Bebo mais um café sem açúcar. Verifico se algum e-mail não ficou sem resposta. Ligo o rádio. Gosto de saber a situação dos aeroportos. Acredito que um dia vou ter de sair às pressas, mas isso é outra história. Preparo um sanduíche, separo uma fruta, deixo ambos à mão para a hora da vontade. Prometo que vou reduzir o café enquanto tomo mais um. Sem açúcar, mas isso é outra história. O cachorro pula em mim, ele quer brincar. Lanço a bolinha, ele apanha e retorna. Já pensei em chamar o cachorro de bumerangue, mas isso é outra história. E assim por diante. Viu o trabalho que dá?”

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