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Para reforçar a tese de que as relações dos brasileiros com vinho sempre obedeceram a uma escala de ascendência econômica – ao rico cabe o garrafão, ao pobre sobra a rolha –, o empreiteiro Ricardo Pessoa apresentou em sua delação premiada comprovantes de que presenteou o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner , então governador da Bahia, com três garrafas de Vega Sicília Único Gran Reserva 2003, cada uma custando R$ 2.059,95.

Ao contrário dos europeus, nascidos em fraldas de carvalho, não fomos apresentados ao vinho em casa, no bar ou no restaurante. Foi na missa. Na consagração, quem não se imaginou degustando uma patena de hóstias com o vinho do padre que atire a primeira pedra no sacristão. Com a bênção do vigário, desarrolhamos o garrafão do nonno, harmonizado com o macarrão da nonna, sem faltar o sagu com vinho na sobremesa.

Como diz o poeta anônimo, com o passar dos vinhos os anos ficam melhores para quem trata de cultivar amigos.

Depois das barricas trancadas a sete chaves no porão de casa e os dentes manchados com o legítimo Sangue de Boi, salto de qualidade foi quando abrimos com os olhos o bojudo Fiasco Ruffino, aquele tradicional Chianti coberto de palhinha. Fiasco é a palavra italiana referente ao frasco. Longe de ser um sinônimo de fracasso, os vinhos de cepas nobres sempre foram sinônimos de sucesso.

Do vinho do padre aos vinhos franceses – entre tombos, tropeços e carraspanas –, foi uma longa e penosa educação vitivinífera. Sem deixar de sofrer com os fronteiriços de rótulos tão falsos quanto os uísques paraguaios. O mais famoso deles foi um Liebfraumilch engarrafado no Brasil entre 1970/80, origem da “praga da garrafa azul” que deixou alguns ricos e outros com muita dor de cabeça no dia seguinte.

Assim como os vinhos, os amigos também mudam com o passar do tempo. Uns se avinagram, outros amadurecem e se aperfeiçoam. Como diz o poeta anônimo, com o passar dos vinhos os anos ficam melhores para quem trata de cultivar amigos.

De todo modo, “o vinho alegra o coração do homem” (Salmo 105, 15), além de despertar a cobiça das criaturas. Para os enófilos que dedicam suas libações com Baco para fechar bons negócios, no Brasil nunca se bebeu nada igual ao vinho de empreiteiro. Servido preferencialmente nas altas rodas do poder, a preciosidade é da mesma casta daquele servido pela ministra Kátia Abreu ao senador José Serra. No mesmo festim em que um poderoso da República, ao analisar as consequências da Operação Lava Jato, confidenciava ao sedento advogado: “De modo geral os esquemas devem voltar à normalidade, com pequenas variações operacionais. O que me preocupa é a manutenção da minha adega particular. Cheguei numa fase da vida em que só consigo beber vinhos de empreiteiros!”

Dizem que o vinho é a chave que abre o coração e solta os pensamentos. Vinho de empreiteiro é mais que isso, é uma das chaves do êxito e da fortuna – como bem sabe Jaques Wagner, o atual chefe da adega palaciana.

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