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O ditado popular diz que uma imagem vale mais do que mil palavras. O presidente Jânio Quadros, em 1961, pouco antes da renúncia que acabou levando o país à ditadura, foi fotografado de costas com os pés trocados. A imagem, de Erno Schneider, foi batizada de "Qual o Rumo?". Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo em 1962 e tornou-se antológica porque captou o momento que o país vivia: Jânio, naquele momento, não sabia para onde levar o país. Seus pés mostravam essa confusão. Ele renunciou para voltar nos braços do povo, com mais poderes. Mas a precipitada renúncia jogou o país em um período de grande instabilidade política e, logo depois, no colo dos militares.

Quarenta e oito anos depois, foi a vez de o presidente Lula cair na maldição da foto-metáfora. Ontem, ao sair do Palácio Eliseu, sede do governo francês, em Paris, o presidente tropeçou nas escadarias e foi fotografado (veja a sequência das imagens na página 13). Teve de se equilibrar para não cair. Momentos antes, havia dado uma inusitada entrevista negando a existência da crise política do Senado. "Eu estou tranquilo de que não existe crise. Existem denúncias que têm de ser apuradas. E (deve ser) apresentado à opinião pública o que é verdade e o que não é verdade. Só isso", disse Lula ao lado do presidente francês, Nicolas Sarkozy.

Como quem não olha onde pisa, Lula parece não estar enxergando o que acontece em seu vizinho da Praça dos Três Poderes, o Senado. Seu próprio partido, o PT, chegou a pedir o afastamento do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Apesar disso, o presidente considera que os inúmeros escândalos e a paralisia legislativa são apenas uma simples "divergência". Sob a justificativa de não desagradar aos peemedebistas, potenciais aliados na eleição presidencial de 2010, o presidente finge que está tudo bem com nossa política.

O tropeço de Lula em frente ao Eliseu tem mais significados do que parece. Lula não vai cair. Como aconteceu ontem, ele tem conseguido se equilibrar entre os interesses paroquiais do PMDB e as suas pretensões de fazer de Dilma Rousseff a sua sucessora. Mas, nessa caminhada, quem corre risco de cair, diante do descrédito da população nas instituições, é a própria democracia.

É significativo ainda que o tropeço de Lula tenha ocorrido justamente diante da sede do governo do país que espalhou o conceito de republicanismo pelos quatro cantos do planeta há 210 anos, com a Revolução Francesa. Talvez seja a vingança da República para alguém que poderia fazer algo para aperfeiçoá-la, mas que preferiu se render ao status quo.

Fernando Martins é jornalista.

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