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A Ciência afirma que uma das razões que levaram a espécie hu­­mana a se distinguir dos outros animais foi o fato de que o homem anda de pé, ereto. Ao liberar as mãos para outras atividades que não a de locomoção, a evolução permitiu ao ser humano construir e manipular ferramentas que os diferenciaram no reino animal. Ao caminhar, cada um de nós simbolicamente está celebrando a supremacia da espécie no planeta.

Mas, milênios depois, parece que deixamos de valorizar o ato de andar – seja simplesmente pelo seu valor simbólico como por motivos de saúde (exercitar-se faz bem) ou ambientais (caminhar não polui).

Nas grandes cidades, os pedestres estão sendo paulatinamente espremidos pelos carros – uma dessas tecnologias que só se desenvolveram porque, ao caminhar sobre os pés, as mãos humanas ficaram livres para construir máquinas. Hoje em dia, calçadas são encurtadas para abrir mais espaço aos automóveis.

Além de estreitas, algumas delas estão cheias de obstáculos pelo caminho: postes, orelhões, materiais de construção de obras de casas e edifícios, placas de publicidade nos pontos de ônibus, carros estacionados onde não deveriam estar. Se as pistas de rolamento tivessem metade dos obstáculos que os pedestres enfrentam, haveria com certeza uma revolução dos motoristas.

O próprio piso das calçadas é outro desafio e desestímulo para quem anda. Pedras irregulares ou lisas, muito comuns, são um risco principalmente para os caminhantes idosos.

Tudo isso revela o quanto os planejadores das cidades estão orientados para valorizar o carro em detrimento das outras formas de locomoção. Ao estreitar calçadas para ampliar o espaço dos automóveis, muitas vezes em locais de grande fluxo de pessoas, os urbanistas tentam solucionar congestionamentos de carros criando o de pedestres.

Repare ainda nos principais cruzamentos das cidades: todos eles têm semáforos para veículos. Um número muito menor conta com sinaleiros de pedestres. Não seria isso uma clara evidência do desdém ao tratar aqueles que optaram por caminhar em vez de dirigir?

Essa desvalorização do andar se reflete até mesmo na legislação, mesmo que de forma indireta. Em Curitiba, por exemplo, a manutenção da calçada é de responsabilidade do cidadão, enquanto a via por onde circulam os veículos é do município. Ou seja, o Estado assume para si o ônus de asfaltar e reparar defeitos das pistas de carros, mas deixa para a sociedade a construção e conservação do passeio. Não é de se estranhar que haja na cidade tantos locais sem calçada ao lado de ruas já pavimentadas.

Está mais do que na hora de nos lembrarmos de que a humanidade só chegou onde está porque deu muitos passos à frente, literalmente. Resgatar o valor do caminhar é, em última análise, recuperar nossa própria essência humana.

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