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Nos efervescentes anos 60, Caetano Veloso cantava "É proibido proibir". Hoje, ele é um dos líderes do grupo de artistas que defende a proibição de biografias não autorizadas, atualmente em vigor no país. Já Gilberto Gil, em um artigo intitulado "Diversidade", disponível em seu site, diz que a internet tem de ser o "espaço de liberdade para o conhecimento e para a criação". No texto, o cantor também alerta para os riscos que a cibercultura corre diante da globalização, marcada pela "prevalência do privado". Gil também se alinha aos contrários às biografias, uma atividade criativa. E defende a privacidade como valor superior à liberdade de expressão e de informação – direito que é essencial à divulgação do conhecimento.

As incoerências de Caetano e Gil – expressas publicamente – renderiam uma boa passagem em um livro sobre a vida de ambos. Mas não se a tese deles for aceita e os dois não permitirem que suas ambiguidades simplesmente sejam postas em suas biografias. O argumento da privacidade para vetar biografias pode, portanto, impedir que aquilo que já é público continue público – pois informações, ao não serem perenizadas em uma obra definitiva, tendem a ser esquecidas.

É preciso lembrar que a proibição defendida pelos cantores não vale apenas para artistas, mas se estende a qualquer personalidade viva ou morta – nesse último caso, é a família que tem de permitir a publicação. Assim, a manutenção do veto às biografias não autorizadas terá efeitos nefastos à memória nacional. Políticos corruptos, por exemplo, podem passar à posteridade sem qualquer mancha em sua trajetória. Serão beneficiados pela borracha do tempo nas mãos dos herdeiros. O país sofre a ameaça de ter de se contentar com a história chapa-branca.

A despeito disso, os artistas (como todos os cidadãos) devem ter assegurado o direito à privacidade – a esfera da vida oposta às relações sociais e públicas. Isso exige bom senso aos biógrafos. Por outro lado, quando alguém expõe sua intimidade publicamente, abre mão desse direito. E isso tem sido cada vez mais corriqueiro no meio artístico. E também na sociedade de modo geral, por meio das redes sociais.

Há de se fazer ainda uma última ponderação. Proteger a privacidade é uma forma de garantir que o cidadão seja ele próprio e desenvolva sua personalidade livremente, sem se submeter às convenções sociais. Celebridades mortas não têm como aprimorar sua individualidade. É admissível, portanto, que biografias de personagens históricos contenham elementos de sua vida privada caso eles justifiquem sua trajetória pública – naturalmente, desde que esses fatos não impliquem a violação da intimidade de pessoas vivas.

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