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O antropólogo Roberto DaMatta vislumbra o futebol – dentro de campo – como a utopia democrática a ser perseguida pelo Brasil. Durante a partida, não importa a cor, a origem social, o salário. O que vale é o mérito do jogador trabalhando pelo coletivo. O Corinthians da primeira metade da década de 80 conseguiu transpor esse sonho para além das quatro linhas, chegando à gestão do clube. Há 30 anos a chamada Democracia Corintiana atingia seu auge. A experiência deixou ensinamentos para a ainda imperfeita democracia brasileira, recentemente sacudida pelas manifestações de rua.

Em 1981, o Corinthians havia tido um desempenho muito ruim. O time tinha feito campanhas péssimas nos campeonatos paulista e brasileiro. Esses resultados em campo levaram à eleição, um ano depois, de um novo presidente do clube. Primeira lição: a insatisfação, como a que levou centenas de milhares de brasileiros às manifestações de junho, costuma ser o motor de mudanças.

A nova gestão do clube decidiu ouvir os jogadores – escutar aqueles que são afetados pelas deliberações que vêm de cima é importante para que as decisões sejam mais efetivas. Como havia um grupo de atletas politizados e dispostos a participar – Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon –, uma revolução na gestão do clube começou a ser deflagrada. Se não houvesse esse ímpeto dos boleiros, provavelmente os dirigentes do clube passariam a mandar sem consultar mais ninguém. Ou seja: a participação é fundamental.

Em pouco tempo, todas as decisões do clube passaram a ser tomadas em conjunto por dirigentes, jogadores e comissão técnica. Contratações e demissões de atletas, regras de concentração, premiações por vitórias, horários de treinos, datas de viagem. Tudo era definido no voto. A ampla participação resultou em mais liberdade, o que sempre exige a responsabilidade como contrapartida. Jogadores casados foram dispensados da necessidade da concentração antes das partidas. E o consumo social de álcool foi liberado após os jogos.

Funcionou, contrariando o senso comum de que os jogadores iriam se "perder" em noitadas regadas a muita bebida. O Corinthians chegou às semifinais do Brasileirão de 1982. Sagrou-se campeão paulista naquele mesmo ano. E repetiu o feito em 1983. Paralelamente, as finanças do clube estavam bem; não havia dívidas e o caixa tinha dinheiro.

Um ano depois, jogadores importantes deixaram o time e as vitórias em campo minguaram. A reação veio na eleição à presidência do clube em 1985. A insatisfação levou a outra mudança no comando do Corinthians. E os novos cartolas enterraram a efêmera experiência democrática. Mais um ensinamento: a democracia exige resultados – ou corre riscos.

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