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O correr das folhas do ­­calendário nos passa a confortável sensação de regularidade. Após dias de trabalho, sempre há sábados e domingos para o descanso. Aguardamos com ansiedade a passagem e o retorno das datas festivas: Natal, ano-novo, carnaval, Páscoa, aniversários.

Eventos que se repetem rotineiramente permitem que a existência seja suportável. Ali­mentam a crença e a esperança de que, se tudo vai e volta, o mal também é passageiro. A rotina e o hábito nos dão ainda segurança. Garantem alguma previsibilidade ao imponderável que é a vida – esse efêmero mistério espremido entre dois pontos na linha do tempo.

O calendário nada mais é do que a tentativa de controlar e enquadrar o tempo, e a vida por extensão. Mas eis que surge um intrometido 29 de fevereiro para nos lembrar da imperfeição do homem e de suas invenções. O dia bissexto nos traz de volta à realidade. Exige humildade. É quando acertamos os ponteiros com o relógio da natureza, este sim infalível. É a data de admitir que os ciclos naturais – e a existência humana é um deles – não obedecem aos nossos desígnios. De que somos nós que devemos nos adaptar.

O 29 de fevereiro também subverte a rotina – essa doce ilusão de que se tudo for feito conforme as boas normas, nada sairá do controle. Mas a cada quatro anos a anormalidade se faz presente: o 1.º de março não sucede ao 28 fevereiro. A trilha do tempo é um pouco mais longa. Afinal, há um corpo estranho no meio do calendário, como se fosse um percalço. Uma data que, embora tenha sua própria regularidade quadrienal, paradoxalmente embaralha a sucessão habitual dos dias.

E na busca de significados – essa humaníssima mania de tentar encontrar valores em tudo o que nos ocorre – talvez lembremos ainda que o 29 de fevereiro é uma data rara. Numa existência bem longa, não serão muito mais que 20 os dias bissextos pelos quais passaremos. Quantos acontecimentos são tão esporádicos assim em nossas vidas?

Cientes disso, podemos então celebrar neste 29 de fevereiro o dia da efemeridade e da raridade que nos cercam. A data para nos recordar de fatos, encontros e desencontros breves e incomuns que nos marcaram. Das oportunidades agarradas ou perdidas que, quem sabe, nunca venham a se repetir. Um dia para lembrar que, apesar de tentarmos enquadrá-la, a própria vida foge da rotina – e que isso não é necessariamente ruim. Um dia enfim para celebrar a própria vida, que embora seja abundante à nossa volta, é raríssima na imensidão do universo.

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