Dizem que a vida imita a arte. Mas podemos afirmar o contrário: a arte emula a vida. Com a música não haveria de ser diferente. Há canções que nos conquistam nos primeiros acordes. Assim como há pessoas com quem simpatizamos tão logo as conhecemos. Lugares que nos encantam ao vê-los por um único instante. Assuntos que nos interessam desde cedo. Sabores que sempre apreciaremos. É fácil lidar com isso. Afinal, é aí que reside o prazer. Mas o prazer pode ser um senhor cruel que nos aprisiona sem que percebamos. Que nos obriga a trilhar sempre o mesmo caminho seguro e que evita que conheçamos o novo – inclusive outro tipo de satisfação, quem sabe até maior, que exige paciência porque se esconde atrás de uma camada de dissabor ou indiferença. Há músicas que são exatamente desse modo. Não as apreciamos de início. Mas se damos a elas um tempo para se revelarem, então somos agradavelmente surpreendidos.

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Foi o que me ocorreu com a canção A bouche que veux-tu, de um duo de francesas chamado Brigitte. Topei com ela por absoluto acaso. Deixei o rádio sintonizado numa estação e A bouche... começou a tocar. Gosto da sonoridade do francês. E a voz das cantoras me agradou. Mas, por si só, isso não seria suficiente para me fazer parar os afazeres. O ritmo era lento demais para o meu humor daquele dia. E, se continuasse assim, possivelmente seria a primeira e última vez que a escutaria. Poderia até mesmo ter virado o dial, em busca de algo que me agradasse logo de início.

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Ainda bem que não o fiz e dei uma segunda chance a Brigitte. Passados dois minutos de compasso lento, a recompensa: a canção acelerou e então ouvi algo que foi muito além de minha expectativa. Parei o que estava fazendo: “Sim, essa vai para minha playlist”, disse a mim mesmo.

E, sim, na vida muitas vezes precisamos esperar um pouco. Nem sempre – talvez quase nunca – sejamos surpreendidos positivamente. Mas é assim que a banda toca. Há muitas situações que parecem não nos levar a lugar algum. Pessoas a quem somos indiferentes. Às vezes, contudo, algo de muito bom vem delas. No tempo certo.

Mais inusitado ainda é quando a primeira impressão que temos é negativa, mas o que vem depois – se tivermos paciência suficiente – é como os primeiros raios de sol após muitos dias de chuva. Tal como um trabalho estafante que nos dá uma grande recompensa ao fim. Ou como uma pessoa cheia de pequenos defeitos que, de repente, mostra suas grandes qualidades.

Assim foi com Layla – um clássico do rock, da banda Derek and the Dominos, que canta uma paixão não correspondida. Desculpem os fãs dos acordes de guitarra de Eric Clapton, mas desgostei profundamente da primeira parte da canção assim que a ouvi. Achei o som pesado. Mas, para mim, o segundo movimento, executado numa base de piano, completamente diferente do primeiro e apenas instrumental, é majestoso. No fim, o estranho conjunto entre as duas partes faz sentido. O incômodo do início, a dor do compositor expressa pelo agudo das guitarras, cede espaço a uma nova harmonia – que, na ausência de uma letra, pode expressar o que cada um quiser. Gosto de pensar que significa que não há mal que sempre dure. Assim é a vida.

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