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O que arrebata as pessoas, a música ou o cantor? Parece que é como na escola, tudo dependeria mais do aluno do que do professor, mas há coisas que se aprende com facilidade, memoriza-se e nunca mais se esquece. Natureza Morta, por exemplo, ainda sabe direitinho o que é Saco de Carvão, aquela "mancha" escura junto ao Cruzeiro do Sul. Tratado de Tordesilhas, também, até porque Beronha, a sua pedrinha no sapato desde os velhos tempos de bancos escolares, contribuiu de maneira decisiva, embora de modo indireto, para que a lição não fosse parar nas catacumbas do esquecimento. É que, diante da clássica pergunta sobre a linha imaginária que dividiu o Brasil em dois mundos, o português e o espanhol, nosso anti-herói não teve a menor dúvida e tascou como resposta que era o Tratado de "doutor Desilhas".

Mas, de outras matérias, pouco ficou na cachola. Isso porque – e virou desculpa recorrente por parte do Beronha –, na época advertiam que "ler muito deixava a pessoa doida da cabeça". Resultado: até hoje o solitário da Vila Piroquinha insiste em ler e estudar. Daí a Cabanagem. Incrível, mas, até pelo nome, esse movimento popular deveria ter tomado de assalto – para sempre – um pequeno lote que fosse do nosso latifúndio de ignorância sobre a formação do país. Quem sabe guiado por uma das estrelas do Cruzeiro do Sul, nosso amigo chegou a vários tesouros. Um deles, a série especial do jornal Gazeta de Santarém, do Pará, dedicada à Cabanagem, ou, "a guerra civil que incendiou Santarém e toda a Amazônia". Foram 30 mil mortos – pelo menos. Assinado pelos jornalistas Manuel Dutra e Celivaldo Carneiro, o material resgata detalhes para melhor compreensão dos episódios ocorridos de 1835 a 1840, na revolta que mobilizou negros, índios e mestiços – que viviam em cabanas – contra a ordem estabelecida pela elite e tomou o poder na Província do Pará. O trabalho saiu publicado no dia 22 de junho, aniversário de Santarém (348 anos), que foi, aliás, o segundo mais importante palco da guerra, depois de Belém. Há entrevistas com moradores de Cuipiranga, de onde os guerreiros cabanos rechaçaram, por dois anos, os ataques das forças imperiais. Inclusive enganando o inimigo com estratagemas como o do cinematográfico uso de troncos de bacabeira, palmeira comum na região, transformados em "canhões" nas barrancas do Rio Tapajós, confluência com o Arapiuns, e sobre barrancos do Rio Amazonas. De longe, com um binóculo de pequeno alcance, a esquadra enviada do Rio, Pernambuco e Belém não conseguia identificar corretamente o que havia à sua espera. Na dúvida, parava.

Pela primeira vez, foram fotografados objetos deixados nas matas do Arapiuns e Tapajós pelos soldados do imperador: canhões, balas e pontas metálicas de botas militares.

Para o antropólogo Mark Harris, da Universidade de Saint Andrews, na Escócia, e que viveu por um tempo no Pará, foi "uma guerra única na história das revoluções". O problema é que ainda perdura a mesma estrutura de poder da época da revolta. As causas da Cabanagem continuam vivas. E com agravantes. O Pará tem 1.247.702 quilômetros quadrados.

Só que os títulos irregulares de terra multiplicaram o estado por dois.

Francisco Camargo é jornalista

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