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Recentemente, um renomado escritor abriu sua coluna confessando que citava Marx logo de cara para impressionar e criar expectativa. Era um artifício para fisgar o leitor. Essa espinhosa missão vem de longe. Talvez só não inclua os tabletes de argila com escrita cuneiforme, e por pura limitação de espaço, é claro.

Vai daí que Natureza Morta foi até a biblioteca da mansão da Vila Piroquinha e voltou sobraçando o grosso volume de Deuses, túmulos e sábios – O romance da arqueologia, C.W. Ceram, Edições Melhoramentos, 1956.

Na introdução (mantemos a ortografia da época), aconselha o leitor a não começar o livro na primeira página, "pois sei quão pouco intriga mesmo a mais persuasiva afirmação do autor de que vai apresentar um assunto interessantíssimo, e isso, tanto mais, quanto o título promete um romance da arqueologia, a ciência da antiguidade, sôbre a qual todo o mundo está convencido de que é uma das ciências mais sêcas e enfadonhas". Assim, "recomendo começar na página 77 e ler primeiro o capítulo sôbre o Egito, o ´Livro das Pirâmides´. Tenho então a esperança de que o leitor mais desconfiado enfrentará com mais benevolência o nosso tema e resolverá pôr de parte certas prevenções. Todavia, em seguida a essa introdução pedirei ao leitor que volte atrás e comece na página 19. Então é que êle vai precisar de uma orientação planejada para melhor compreensão até mesmo dos acontecimentos mais emocionantes".

Ceram já havia citado Ortega y Gasset: "Quem quiser ver bem o seu tempo, deve olhá-lo da distância. De que distância? Muito simplesmente, duma distância tal que não reconheça mais o nariz de Cleópatra".

Ainda de maneira moleque, faz a apresentação de Robert Koldewey, arquiteto, arqueólogo e historiador nascido na Alemanha, em 1855, e que fez escavações em Assos, Ilha de Lesbos, Babilônia, Surgul e El-Hibba. Em 1898, iniciou escavações em Babel. "Koldewey era um homem estranho, e, principalmente na opinião de seus colegas, um cientista estranho. O seu amor à arqueologia não lhe turvava a vista para apreciação da Terra e dos povos, para o ambiente e para as mil e umas maravilhas cotidianas, nem esgotou nunca a fonte de seu humor, que transbordava exuberantemente de tudo o que escrevia". Entre poesias, rimas e aforismo, deixou essa saudação de ano bom: "Dúbios são os caminhos do fado/Ignorada a estrêla do porvir/Antes de deitar para dormir/um conhaque bebo de bom grado."

Beronha adorou.

O arqueólogo/arquiteto encontrou Ut-Napisti, "o antepassado da humanidade, que contava, em 384 fragmentos de tabuinhas de barro, o mesmo dilúvio que a Bíblia viria a contar muito mais tarde. Ut-Napisti era Noé! O deus Ea, "amigo dos homens", revelou em sonho ao seu protegido Ut-Napisti a intenção dos deuses, e Ut-Napisti construiu um navio (sic)." Ainda por conta de Koldewey, temos, mais adiante: "O primeiro tirano de Agrigento, o Terrível Fálaris, quando queria construir um templo, erigia (era seu próprio arquiteto) um muro em volta e dizia, com acompanhamento de holocaustos humanos: "Eu sou Fálaris, tirano de Akraras". Isso por volta de 550 antes do nascimento de Cristo. Koldewey não tinha ideia do meio colega que deveria abalar a Europa a partir de 1933".

De fato. Referia-se à ascensão de Hitler.

Francisco Camargo é jornalista.

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