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Ligeiramente feliz da vida – há quem teime em não ser perfeito, ou prefeito, ainda bem –, Natureza Morta deixou o exílio da mansão na Vila Piroquinha para conversar. Poderia ser o PM do módulo próximo, sempre atuante, o vendedor de abacaxi que faz ponto na esquina, o apontador do jogo do bicho, o homem do sonho que insiste em ficar passando, a turma da fila à espera do ônibus, quem quer que fosse, até mesmo o iconoclasta de arrabalde do Beronha. Motivo? Comentar a grande vitória conquistada sobre a alta tecnologia. Se, de fato, a primeira vez ninguém esquece, mesmo assim sempre é bom deixar a coisa registrada com terceiros. De preferência, depondo em juízo.

É que Natureza conseguiu acionar e ajustar a hora, a temperatura externa, o dia, o mês e o ano do painel digital do carro automático (ou seria semiautomático?) de um vizinho, que bateu – não o carro – à sua porta em busca de ajuda. Parado durante alguns dias, para conserto do carrão, o sistema eletrônico, como diriam, deu pau.

– Na verdade, foi fácil, confidenciou Natureza. Bastou ir ao menu do manual do condutor (condutor, ainda existe isso? no meu tempo, condutor conduzia carroça ou era condutor de bonde) do Vectra. Estava lá, no índice remissivo, o item painéis de controle. E bastou ir direto à página 26, até porque ainda não conheci ninguém no Brasil que tenha lido, de cabo a rabo, página a página, qualquer manual de orientação. Ou que ouse citá-lo de trás para frente. Seja do heroico televisor Invictus, 24 polegadas, preto e branco, ou do seminovo DVD.

Vencida a batalha, derrotado o inimigo virtual, caiu no colo do nosso herói outro desafio. Bem mais labiríntico:

– A luzinha do painel, ao voltar, registrava "07/01/1997" no calendário...

O que teria acontecido naquele dia de janeiro, há 12 anos?

Beronha arrisca:

– Não faço a menor ideia. Aliás, oficialmente, eu ainda não tinha nascido... Mas, convenhamos, pior seria se não fosse algo retroativo, mas premonitório.

– É, de fato. Seria 07/01/2997 o dia do juízo final, ou do juízo afinal?

– Prefiro o dia em que o Atlético Paranaense tornou-se o primeiro campeão brasileiro da superliga interestelar... É o Furacão Intergalático.

– Bem melhor! Aplaude Natureza.

– Mas, caro mestre, data venia, sugiro que anote o 07/01/2997 e tasque ficha no jogo do bicho ainda hoje. Seco e molhado. Dezena, centena e milhar.

– Isso é contravenção!

– Sim, mas ela pode antecipar alguma possível alegria reservada a vosmecê...

Possibilitando que aceite e parta para novos desafios.

"Ao entrar no mato, tire o sapato"

José Gaspar Chemin. Se ainda não conhecem, gravem o nome. Sua primeira obra foi Domingário. Depois veio a "poedra" – "exercício de síntese da palavra que ele pratica incansalvemente até hoje". Virou o poeta das pedras. Por cortesia do jornalista Irinêo Netto, amigo do Caderno G, travei contato com parte da obra de Chemin. E há coisas novas a caminho. Delícia. Uma pequena mostra, tirada do livro Irreverência ou Morte!, sequência de trocadilhos de primeiríssima qualidade. É, isso existe. O trocadilho foi desterrado, literariamente, por conta de maus trocadilhistas, os autores do que ficou conhecido como trocadalho. Mas vamos lá, a uma rápida (e poderia ser diferente, em se tratando de trocadilho?) incursão à verve e inteligência de Chemin:

Francisco Camargo é jornalista.

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