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Só publicam desgraça. Se espremer, sai sangue. Não é de hoje a enxurrada de críticas aos jornais, mas, ultimamente, há mais consistência nas pedradas. Ainda bem. É preciso discutir a imprensa permanentemente. Nem tudo, porém, está perdido de forma irremediável. Convidado a integrar a comissão do Prêmio Esso de Jornalismo 2008, no Rio, eis que me esperava uma surpresa. Sempre ela. Viver é perigoso. Surgiu feito bala perdida a feliz oportunidade de votar em um trabalho que enobrece o ser humano.

Mais antigo jornal em circulação no país (183 anos), o Diário de Pernambuco concorreu na categoria Contribuição à Imprensa com um projeto pioneiro, único no mundo: a edição em braile.

Braille chamava-se Louis. Perdeu a visão aos 3 anos. Aos 7, socorria-se no Instituto de Cegos de Paris. Em 1827, aos 18 anos, era professor. Adaptou, então, um sistema de pontos e buracos utilizado pelos militares para passar mensagens que poderiam ser lidas no escuro, na linha de frente (as velhas trincheiras). Dois anos depois, lançava o que viria a ser chamado inicialmente de "código" Braille. Um alfabeto convencional cujos caracteres são identificados por pontos em relevo. São seis pontos que permitem 63 combinações. Elas podem representar letras simples e acentuadas, pontuações, algarismos, sinais algébricos e notas musicais. Braille morreu em 1852, de tuberculose, no ano em que seu método era oficialmente adotado na Europa e nos Estados Unidos.

Por enquanto, o jornal em braile do DP circula com cem exemplares, formato A-4, 50 páginas, picotadas em frente e verso. É produzido em parceria com a Cooperativa do Produtor Portador de Deficiência (Codefil) e distribuído gratuitamente a entidades de apoio a deficientes visuais. Cada linha de texto da versão em tinta do Diário se transforma em três linhas no exemplar de pontos. Uma equipe de jornalistas cuida exclusivamente do projeto. Entram na edição as principais notícias do dia produzidas pelo jornal papel. Na Codefil, mais cinco profissionais trabalham na editoração, revisão, impressão, montagem e encadernação. Sim, existe um jornal para deficientes visuais, em Portugal, só que ele circula mensalmente, o que reforça – se é que isso venha a ser necessário – a importância do trabalho de inclusão do jornal pernambucano. Há também, no Brasil, publicações periódicas para deficientes visuais, mas nada como manusear um jornal diário, não é?

No mundo, 180 milhões de pessoas apresentam algum tipo de deficiência visual; 50 milhões não podem sequer caminhar sem ajuda. No Brasil dos 4 milhões de deficientes visuais, 250 mil estão em Pernambuco. O jornal em braile foi concebido pela Diretoria de Projetos Especiais dos Diários Associados. Palmas – e prêmio – para ela.

Como se conclui, há jornalistas e jornalistas, imprensa e imprensa. Alguns justificando o seu papel na sociedade, que não se limita a cumprir a pauta do dia ou seguir o roteiro do show "espetaculoso" da semana.

camargo@gazetadopovo.com.br

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