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 | Foto: Ivonaldo Alexandre/ Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Ivonaldo Alexandre/ Arte: Felipe Lima

A Travessa Padre Júlio de Campos, no Centro de Curitiba, rivaliza em extensão com a Luiz Xavier, conhecida como a menor avenida do mundo. É minúscula. A numeração vai de 0 a 33 e pode ser percorrida com 30 passos, os mesmos necessários para cruzar de ponta a ponta um apartamento de 100 metros quadrados.

Mas "tamanho não é documento". Apesar da falta de atrativos – não tem shopping, cine privé, 1,99 nem nada –, a Júlio cumpre heroicamente sua função urbana: serve de atalho entre a Barão do Serro Azul e a Sal­­danha Marinho. Não fica um minuto sem uso. Seria um mimo parisiense, não tivesse se tornado o palmo de petit-pavé mais catinguento das araucárias.

Exato. A travessinha concentra os piores índices de bolos fecais e litros de ácido úrico da paróquia. Esse dado ainda carece de comprovação científica, mas é empiricamente verificável. Raro um passante do atalho que não tape as narinas – como se temesse ser contaminado pelo Ébola. Os que não o fazem são acometidos pela súbita ex­­pressão de quem tomou Olina com Leite de Magnésia. Não ra­­ro, passantes são acometidos por sinais de delirium tremens. Não houve óbitos. Salvam-se do desconforto apenas os portadores de deficiências olfativas crônicas e os porcatchones, que de resto se sentem em casa.

O fato é que a ruazinha se tornou a República dos Inconti­­nentes. Se de um lado serve para encurtar caminhos das almas apressadas, por outro se presta a aliviar a bexiga e intestinos dos corpos desesperados, cujos im­­perativos costumam ser implacáveis. "Não estranho mais tanto cocô. Tem até filho que mata pai...", protesta o vovô de guarda-chuva.

De acordo com testemunhos, cuecas são arriadas à luz do dia, oferecendo a visão do inferno para os condôminos da Rua João Moreira Garcez. "E não é só mendigo não. Vem muito engravatado", garante um observador, para quem a transformação da travessa num mictório não é uma questão de classe social, mas da condição humana. "Eu faço xixi aqui sim. Queria que eu fizesse nas calças?", defende-se um qualquer, com fúria de titã, mas momentaneamente impedido de gestos mais bruscos.

A penumbra da Júlio e a aridez das ruínas das Ferragens Hauer, logo ali, devem atiçar os esfíncteres sensíveis. Dos males o menor, o surto tem garantido emprego para funcionários do Serviço de Limpeza Pública. Diariamente, a prefeitura faz jorrar litros de água para manter os níveis de civilidade municipal e evitar que turistas – em curso pelo marco zero da Praça Tiradentes – não comparem Curitiba a Mumbai. Seria o fim: além de fria e congestionada, fedida.

Quem mais tem acumulado perdas com a conversão da travessa em mictório é a Catedral Metropolitana, onde um tal Júlio de Campos trabalhou em 1882. Plantada ali desde 1876, viu engarrafamentos de carroças, a Guerra do Pente, o golpe de 64. Mas, guris, não viu nada que se compare aos odores de agora – são em escala caximbenses.

O que se há de fazer. Houvesse a Lei de Talião, seria Curitiba uma terra de eunucos. Fossem coladas atrás da catedral placas com os dizeres "Deus tudo vê" e "Deus castiga", estaria a Igreja reeditando o catecismo. Para piorar, os produtos orgânicos deixados como donativos atrás do templo não podem ser negociados no Câmbio Verde. Tempos difíceis, esses.

Resta recorrer às mães, para que eduquem os seus no uso de banheiros e no respeito ao patrimônio público. Quando os pimpolhos estiverem apertados, evitem, senhoras, abrir-lhes a braguilha e indicar-lhes o poste mais próximo, como se fossem pinchers. Não é bonitinho.

Um dia, já barbado, ele vai reprisar a "operação xixi ao vento". Há de procurar um cantinho sem descuidar das medidas de segurança: botará um olho nos pés, outro ao redor, feito um Quasímodo. Como se pudesse deter as águas de um rio. Que cara de pau.

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