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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Aconteceu nos tempos da Geada Negra, na década de 70. Éramos cinco num Volkswagen – tio, tia, avô, prima e eu – rumo a um casamento em Umuarama, no Norte do Paraná. Longa jornada, aperto de sardinha. Além da tripulação, nosso valente Fuque carregava no piso aquelas latas de cozinha decoradas com florais que algum insensível insistiu em mandar para os noivos.

Digo ter sido uma viagem decisiva. A primeira cujo destino não era um piquenique em Matinhos. A primeira em que o interior deixava de ser pontinhos no mapa nas aulas da professora Nancy Opalinski.

Com as pernas dobradas no banco, decidi anotar o nome de cada cidadezinha à beira de estrada. Algumas, como se dizia, apareciam tão rápido que mal se podia piscar. Foi assim com Califórnia – me senti nos States. Lembro de ter passado por Apucarana, Manda­­guari, Cru­­zeiro do Oeste e, na volta, mostrado à vizinhança o saldo de minha expedição a lugares onde se usava açúcar cristal para adoçar café moído na hora.

Depois daquela Saga Pio­­neira, dei de colecionar mapas e dizer que, quando crescesse, compraria um Jeep – não me dera bem com o Volks, afinal – e sairia por aí vivendo de brisa, de vilarejo em vilarejo. Pois quase. Não muito tempo depois, a bordo de uma Kombi, desembarquei em Rio Claro, a "Cidade Azul", no interior de São Paulo.

Morei ali quatro anos, os melhores que um piá poderia desejar. Me lambuzei com manga no pé. Tomei banho no Rio Cabeça. Fui a procissões concorridíssimas. Comi as legítimas pamonhas de Piracicaba.

No lugar de vastos quintais curitibanos, me impressionavam as casinhas de ferroviário com janelas direto para a rua, a gente toda sentada da porta para fora. As mesas eram fartas e sem culpa. O céu, um tapete estrelado. A praça, o centro da Via Láctea. Há poucos anos, peito apertado, mandei-me para lá. Fiquei pasmo ao ver a filarmônica ainda se apresentando no coreto, como se nos últimos 30 anos a Terra não tivesse girado.

Pois é, querido leitor, essas lembranças com cheiro de goiaba, achando gostoso até picada de muriçoca, têm a maior pinta de rabugice. Mas a intenção é lhe dar uma cantada: arrume uma cidadezinha para chamar de sua. Esse pode ser o nosso jeito de mudar o mundo – como dizem os slogans. Às falas.

A ONU estima que em outubro próximo a população do planeta chegará a 7 bilhões. Nada confortável, como previu o reverendo Malthus em 1798. Lagos, na Nigéria, tem 15 milhões de habitantes no caos da informalidade. Shenzen, na China, passou em 20 anos de aldeia de pescadores a formigueiro humano. Londres é tão extensa que a chance de presenciar as arruaças de agora é estatisticamente uma piada.

Longe de mim bulir da cidade grande. Numa metrópole circula muito conhecimento e as chances de encontrar pessoas interessantes é infinita. Sem falar no controle de natalidade, mais cultivado onde há mais o que se fazer. O que dá tremiliques é essa onda de city marketing que varre a paróquia. Certas urbes estão virando passistas siliconadas. São as cidades-espetáculo, as cidades-mercadorias, descaracterizadas pelos urbanismos de resultado. Artificiais, ficam com cara de Rio de Janeiro em dia de sorteio para a Copa do Mundo. Lembram?

Pois é. Antigamente, cidade pequena queria ter uma fábrica para poder crescer. Não é mais assim. E não se sabe o que será. Só o que se pode adiantar é que esses lugarzinhos precisam ser redescobertos antes que, fatal, morram à sombra dos gigantes.

Vai dar trabalho mudar nossa cabeça movida a óleo diesel. Tempos atrás, duas alunas anunciaram que, formadas, iriam uma para Jaguariaíva e outra para Tibagi. "Fazer o quê? Se não tiver Subway não é cidade", vaticinou um. Outro dia, um conhecido me disse que o problema de Pitanga, no umbigo do Paraná, é não ter um hotel à moda Cancún. Pois em Pitanga deve haver uma boa pensão com comida caseira e um gato manhoso dormindo no sofá.

Ok, entre Califórnia e a Ca­­lifórnia a maioria escolheria, a Califórnia. Mas deixe eu te cutucar: você já ouviu falar em Santo Antônio da Alegria? Morda-se: não tem nada igual.

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