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Arte: Felipe Lima | Foto: Hugo Harada
Arte: Felipe Lima| Foto: Foto: Hugo Harada

A mãe de John Lennon era fã de Michael Jackson. Quando lhe nasceu o primeiro filho, não pensou duas vezes: deu-lhe o nome do inventor do moonwalk, do cantor de "Thriller", do rei do pop. Segundo consta, ficou sem estrela para dar ao rebento seguinte. Alguém lhe soprou no ouvido como se chamava o beatle mais famoso e "que tal?" Deve ter gostado. Assim foi.

A mulher, que pena, abandonou os meninos ainda miúdos, na casa da avó Maria Francisca. Nunca mais se soube. Dia desses, uma tia jurou tê-la visto no centro, correu-lhe atrás, até que a perdeu de vista numa ruela de paralelepípedos. De Michael Jackson, nada sei. Quanto a John, cresceu sem Paul, sem George nem Ringo. Mas por ora passa bem, obrigado.

O moleque soma 18 anos, cursa Educação de Jovens e Adultos, o EJA, na Escola Pompília Lopes dos Santos, e ganha R$ 750 como carregador. É um dos 50 mil mo­­radores do distante Tatu­­qua­­ra, on­­de é famoso qual o quê. Mas não por ser o John Lennon da periferia, um John que ele mal sabe quem foi. Por lá, chamam-no de "Pirata", em alusão a um olho atrofiado de nascença. Aplaudem e urram quando ele dança break. É dos bons, diz-se, e faz bonito até no piso de mármore do Shopping Itália, onde só fera se cria.

O Pirata John é leve e pequeno – são 60 quilos escondidos nas roupas GG de calçudo, boné para trás e tênis branco luzindo. Quando rodopia, pescoço grudado no chão, dá 30 voltas sem pa­­rar, uhu, deixando-nos boquiabertos. Levanta-se risonho, às passadinhas, sem pinta de dor no punho sempre enfaixado.

Não dança sozinho. Tem a seu lado os primos Marcelo Ribeiro dos Santos, 17, e o ex-pagodeiro Emerson Batista dos Santos, 21, com os quais desde 2008 forma um trio de B-Boys. Descobriram-se numa roda de hip-hop no Colégio Guilherme Maranhão, logo ali. Nunca mais se largaram. Os Santos viraram os anjos de John. Chamam-no de flavor, no sentido de "original", e o ajudam a sonhar com campeonatos internacionais, Battle of the Year, Red Bull BC One.

Em janeiro deste ano, Mar­­celo, Emerson and John decidiram ir a Mandirituba, fazer retiro da Comunidade Alcance. En­­traram garotos perdidos, como dizem, saíram os "certinhos" do Tatuquara. Não tem mais cigarro, nem bebida, nem balada, nem vadiagem. E procuram boa moça, da igreja, para casar. Nas horas vagas, breakdancers de cepa, acabam-se no freeze, no looking e no popping. Se você como eu, não sabe ao certo do que se trata, pense num corpo todo travado e equilibrado em cima de um braço. É mais ou menos isso.

Fim de semana é fazer show – com nunca mais de quatro minutos – ora nas quadras escuras do bairro, no programa Bola Cheia, na igreja Bola de Neve. Depois é puxar conversa, dizer "eu era da rua" e "quando eu estava no mundo", pregar contra as drogas, alertar os manos para que encham a cabeça, mas não de cachaça.

Até agora, calculam que não tiraram ninguém da "vida loca", mas seguem tentando, que isso é tarefa vinda dos céus, amém. "Você já ouviu falar das gangues americanas? Pois é...", principia Marcelo a nossa conversa. Escuto o que diz o B-Boy, vizinho do Marly Modas, de frente para uma ribanceira empoeirada. Minha alma morna e o corpo fora de forma agradecem.

Dia desses, um ressentido qualquer gritou para o John no pátio da escola: "Hei, mano, onde é que você pensa que vai chegar se arrastando pelo chão?" Nem deu pelotas. Rodopiou, dobrou-se feito borracha, fez power movie, salto mortal e deixou a turma de queixo caído. "Dance for good", repete. "Para o break, manos, é preciso coragem."

A criançadinha vibrou, como se tivesse ganho algodão doce. Há entre eles quem queira ser John Lennon quando crescer, fazer parte de uma sypher – a roda dos B-Boys – e ter amigos como Emerson e Marcelo. Emerson quer ser professor de Educação Física. Marcelo adoraria trabalhar na Polícia Federal. Já Pirata quer estudar Direito e aprender inglês. Promete saber algo mais sobre John Lennon, o músico: lhe disseram que o cara era legal. Imagine.

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