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Minha vizinha, dona Edilete, me disse que adora ler jornal velho. "São menos ameaçadores", resumiu a septuagenária, enquanto retornava de uma de suas pontualíssimas expedições à feira. Ocorre que, de uns tempos para cá, incumbido de uma pesquisa, dei de ler jornal de antes de anteontem. Bastou folhear uma edição de 1962 para lembrar da Edilete: nada é mais reconfortante do que uma notícia dos tempos em que a gente, que sossego, não passava de uma sombra no mundo das ideias.

Tenho cá para mim que 1962 foi um daqueles anos em que Curitiba parou. De uma paulada só, Norma Bengell e Iris Bruzzi mexiam com a imaginação dos marmanjos que flanavam na Rua XV. Bengel aparecia tal e qual, se é que me entendem, na tela do Cine Avenida, na "versão sem cortes" de Os Cafajestes. Bruzzi, em mais carne do que osso, estrelava no Guairinha uma sugestiva revista de Walter Pinto, Tem bububu no bobobó.

Quem procurava conceito também tinha com o que se arrumar. John dos Passos, um dos mitos da literatura norte-americana, circulava por Curitiba como se estivesse batendo pernas no Central Park. Nem tudo se resumia a alalaô, claro. Para os arremediados, comprar uma cintilante Aero Willis 2600 parecia tão difícil quanto conseguir entrada para o début de Suzana Slaviero no Country. Para o povão, o abastecimento de arroz e feijão só não era pior do que as enchentes do Rio Ivo.

Restava o consolo do futebol. Em 1962, o Atlético vendeu Waldomiro para o Flamengo. Arlindo, do Ferroviário, se mandou para o Corinthians. Viraram manchete, mas nada comparável à despedida de Evílton Elias Carazzai. Depois de uma malfadada negociação com o Palmeiras, o craque do Coritiba deixou os gramados para se dedicar a um bom emprego, à faculdade de Direito, e à mulher – a bela Maria Aparecida.

Tenho cá para mim que até os atleticanos choraram feito carpideiras de Basra. Carazzai tinha 26 anos e caíra nas graças de uma cidade pouco dada a apaixonites. Para que se tenha uma ideia, a foto do craque saía nos jornais mais do que as elegantes da Juril Carnasciali.

Ao comentar essa notícia velha com alguns conhecidos, fiquei surpreso com a quantidade de gente que ainda lembra do branquela que trocou a glória pelo anonimato – feito uma Greta Garbo alviverde. Não deu outra: fui atrás dele para saber o segredo dessa popularidade à prova de friagem. Saí de lá com um palpite.

Carazzai era um curitibano da nhanha. Seu pai tinha um armazém de secos & molhados no Bigorrilho e pôde colocá-lo para estudar no Santa Maria. Foi ali que passou a jogar no Gesm, o time do colégio. Campeonato aqui e ali, chegou em 1951 ao juvenil do Coritiba, onde se tornou o Kaká das araucárias. Claro, 1,80 m, com pinta de galã e modos de bom moço chamava atenção num meio povoado de rapazes pobres e de baixa instrução. Sei não – as marias-chuteiras não existiam, mas arrisca terem sido inventadas por aqueles dias.

Carazzai tem hoje 73 anos e diz não se arrepender da escolha que fez. Maria Aparecida duvida. Com razão. Os olhos do marido dançam quando ela – ainda tão linda – repete de cor a escalação do melhor time da paróquia: "Hamílton, Fedato, Carazzai, Márcio, Bequinha, Guimarães. China, Miltinho, Ivo, Duílio, Ronald".

Cá entre nós, o Coxa e o Palmeiras perderam foi para a Cida. Ela inclusive torcia para o Ferroviário, mas por razões sentimentais, desertou. Em 1957, Carazzai lhe fez serenatas. Em 1959, pediu-lhe a mão. Vestida de verde-e-branco, disse sim. Dona Edilete tem razão – depois da feira, nada melhor do que notícias velhas. São das boas.

José Carlos Fernandes é jornalista.

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