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Sinto muita pena do Nestor Cerveró. Ninguém precisa me falar do amontoado de acusações que pesam sobre a cabeça dele: corrupção ativa, lavagem de dinheiro, propinas. Teria sido um dos maiores operadores recentes de um esquemão mais velho que andar para a frente, que usa o patrimônio construído com o imposto e o trabalho dos brasileiros para enriquecer e empoderar quem já tem dinheiro e poder demais. É claro que, se confirmados esses fatos, todo o rigor da lei é pouco.

Ainda assim, não consigo sentir raiva. A feiura do cidadão me comove. Não é a primeira vez. Lembro de ter lido uma notícia, anos atrás, sobre um sujeito de uns vinte e poucos anos que foi preso por sufocar os avós com um travesseiro. Foi um crime bárbaro: ele e a mãe dividiam o teto e eram sustentados pelos avós, que um dia cansaram de bancar dois marmanjos e deram um ultimato para que saíssem de casa. À noite, os dois invadiram o quarto e mataram os velhinhos.

Entretanto, o que mais me chamou a atenção na matéria era a foto do sujeito. Era um cara obeso, com cicatrizes de espinha cobrindo todo o rosto e um olhar triste, uma tristeza de profundidade abissal – muito mais profunda que um eventual arrependimento pelo crime cometido. Uma das pessoas mais feias e tristes que já vi na minha vida.

A matéria descrevia a rotina do cidadão: não trabalhava, passava o dia trancado em um sobrado minúsculo na periferia de Curitiba. Imaginava o que devia ter passado na escola, os olhares que recebia quando ia comprar alguma coisa no mercado. Isso tudo fez com que eu não conseguisse sentir raiva, mesmo após todas as barbaridades. Só consegui sentir pena.

Óbvio, a vida de Cerveró deve ser bem mais interessante que a desse cidadão. Mesmo em um exercício de suposição no qual todas as evidências reunidas contra ele pela Polícia Federal sejam absolutamente falsas, ele foi, por muitos anos, diretor da Área Internacional da Petrobras. Isso, por si só, já representa uma quantidade de poder e dinheiro muito maior do que nós, que estamos aqui reclamando do busão, jamais vamos ter. Circulava pelos mais altos gabinetes, conversava de igual para igual com as pessoas mais importantes. Mandava e desmandava em muita coisa.

Ainda assim, imagino como deve ser desconfortável entrar em uma sala de reunião cheia de engravatados da Petrobras e perceber que todos estão olhando o seu rosto, tentando fingir inutilmente que estão confortáveis com o fato de você ter um olho no meio da bochecha. Não importa o quão rico e o quão poderoso ele seja, sempre será reconhecido e lembrado por um defeito físico. E, por causa disso, virou alvo de piadas na internet e já é modelo para a máscara de carnaval mais vendida da temporada.

Sinto falta de um bom registro jornalístico que explique seu olho caído. Cheguei a sugerir para os colegas essa pauta como algo que "o Brasil precisa saber", meio que de brincadeira, mas meio que falando sério também. Tudo o que consegui achar no Google foi um texto com duas hipóteses. A primeira seria ptose: é uma doença na qual a pálpebra fica abaixo de sua posição normal. A segunda seria exoftalmia, quando o olho se projeta para fora da órbita ocular. O texto que encontrei chega à conclusão de que provavelmente Cerveró seria vítima das duas enfermidades combinadas.

Além de ser absolutamente especulativo, o texto também deixa lacunas: o que causou essa deformidade? Ele nasceu assim? Isso muda muita coisa. A ptose, por exemplo, pode ter sido causada por um AVC recente, ou acompanhá-lo desde o nascimento. O impacto que isso tem na formação da personalidade de uma pessoa pode ser gigantesco. Imagine o trauma de ser permanentemente um pária por sua aparência física. Não que isso seja realmente relevante para a população brasileira. Mas que é curioso, é.

Caso seja culpado, a prisão de Cerveró (e dos outros empresários, políticos e servidores da Petrobras envolvidos na Lava Jato) será uma vitória para o país. Até pouco tempo atrás, só era bandido quem não tinha pedigree. Quem roubava dinheiro público, fraudava licitações, evadia irregularmente grandes quantidades de dinheiro para o exterior cometia apenas "desvios". É muito saudável que, finalmente, estejamos tratando os criminosos de colarinho-branco como criminosos. Mas vamos aliviar para ele nos memes do Facebook e nas máscaras de carnaval. Pelo crime de ser feio ele já deve ter sido punido demais ao longo de sua vida.

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