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 | Foto: Jonathan Campos – Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Jonathan Campos – Arte: Felipe Lima
  • A contadora Celina Aparecida Ferreira Orlikoski, 47 anos, estudou na Escola Municipal Papa João XXIII durante quase uma década. Nunca se desligou do colégio, do qual é vizinha. Suas melhores lembranças são as oficinas – culinária, costura e outras. E as aulas de Português com a professora Vera Lúcia Urban. Nos últimos 20 anos, virou uma espécie de relações públicas da instituição. Em 1993, vasculhou listas telefônicas, atrás dos números dos ex-alunos, chamando-os para um encontro. Em 2003, usou o Orkut. Em 2013, o Facebook
  • A pedagoga Adriana Tortato Tadra, 47 anos, permanece vizinha da escola, tal e qual na sua infância. A ligação com o colégio é de tal monta que ela, em parceria com um primo, iniciou as pesquisas para escrever a história da Vila Leão.
  • Sueli Terezinha Schleumer Kosowski, 44 anos, é a atual diretora da Escola Municipal Papa João XXIII. Soma uma década de lotação na instituição, para onde veio como professora de Matemática. À época, carregou as filhas junto.
  • Italia Bettega Joaquim, 55 anos, é praticamente da primeira turma da Escola Municipal Papa João XXIII, fundada em setembro de 1963. Estudou ali de 1964 a 1968. Guarda todos os boletins e cadernetas. Formada em Letras – e com sólida carreira na rede municipal de ensino, da qual hoje é assessora especial – tornou-se uma espécie de observadora privilegiada da instituição. Viu a escola passar de 560 alunos para os atuais 1,8 mil. E credita o êxito da instituição ao corpo de professores que por ali passaram
  • O acervo de Italia Bettega: boletins, um caderno de música encadernado com papel tigre
  • O boletim guardado por Italia Bettega. Assim como a primeira diretora, Sueli Seixas, educadora trabalha pela memória da primeira escola da rede municipal de Curitiba
  • Sueli Terezinha Schleumer Kosowski, Adriana Tortato Tadra e Celina Orlikoski na frente da Escola Municipal Papa João XXIII, na Vila Leão, Portão

Vou dar uma sugestão à prefeitura. Nas avenidas que levam ao bairro do Portão, em Curitiba, as placas de trânsito deveriam indicar não apenas os shoppings da redondeza, mas o legítimo marco daquelas bandas – a Escola Municipal Papa João XXIII. Seria mais que uma homenagem – seria justiça.

Alguns haverão de berrar por que diabos é preciso saber se o "Papa", como é chamado, fica para a direita ou para a esquerda. Pois eu diria que já são horas. A escola da Rua Itacolomi, 700, acaba de completar 50 anos e é uma glória curitibana do naipe da UFPR, do César Lattes, da canaleta do expresso. Não faça pouco. Olhando, ninguém diz. Sabendo, ninguém esquece.

Na aparência, o "Papa" é modesto como Francisco, ele mesmo. Fez-se na base dos "puxadinhos". Carece de uma boa mão de tinta. Está longe de ser um cartão-postal. Mesmo assim, deve ter professor fazendo promessa a Santa Rita para conseguir dar aulas ali. E entre os que já passaram por aquelas salas, exibir que lecionaram no "Papa" abrilhanta o currículo tanto quanto ter estagiado em Summerhill.

Em miúdos, o "Papa" é uma lenda. Não causa espanto que tanta gente se ocupe em desvendar seu segredo. Fiz a prova dos nove. Fui à sede da Secretaria Municipal de Educação, dia desses, assuntar. Em minutos havia cinco professoras, quais os anatomistas de Rembrandt, debruçadas sobre a mais difícil das equações: explicar como uma escolinha de arrabalde, surgida na fria e alagada Curitiba de 1963, se tornou uma referência no ensino público brasileiro.

Não há resposta pronta, o que torna tudo mais bacana. Uma das hipóteses é a de que o "Papa" não foi apenas a primeira escola do município, mas também a primeira "escola aberta" da cidade, antes mesmo de a Unesco recomendar que instituições nunca fechassem as suas portas.

Aconteceu meio por acaso. Quando o prefeito Ivo Arzua fundou o colégio, pensou-o nos moldes da "Escola Nova", filosofia que previa oficinas de culinária e de artes industriais ao lado da Matemática e das Ciências. Esse modelo fazia com que o aluno passasse mais horas no sistema e aprendesse umas coisinhas úteis para a lida. Foi tão radical que não chamou uma veterana para dirigir seu invento – entregou-o a uma normalista de 18 anos, Sueli Seixas, que veio a se tornar, com folga, uma das dez educadoras mais relevantes do Paraná.

A receita, contudo, não era garantia de que os piás iam fazer muxoxo quando ouvissem o apito da hora da saída. Vá lá que a professora de corte e costura fosse vovozinha do Chucky, fazendo do contraturno um filme de terror.

Mas, em se tratando do "Papa", passar mais horas na escola era tão natural como brincar nas ruas do Portão. Explico. Antes de chegar ao "papado", o colégio foi um "grupinho de pés descalços", chamado de Casa da Vila Pimpão. Prestava-se ao ensino, mas também à saúde pública e aos ofícios. Era lugar modesto, mas frequentado às pampas: ao seu lado, havia um campinho de peladas, único espaço de lazer da região que foi um dos maiores enclaves operários da capital.

Na vizinhança moravam nada menos que os braçais de madeireiras, como a Bettega; de fábricas de móveis, como a Guelmann; e a turma que dava duro no Matte Leão, muitos deles imigrados para fazer a América na fábrica-símbolo da erva-mate. A firma, aliás, dava nome àquelas divisas: Vila Leão.

Não é demais lembrar que aquela gente sonhava com uma educação das boas. De acordo com testemunhos, a transformação do "grupinho" em Centro Experimental Papa João XXIII deu a entender que a escola sonhada tinha chegado. Em agradecimento, responderam à altura, cuidando do "Papa" tão bem quanto o "Papa" cuidava deles. Deu no que deu.

Difícil encontrar uma instituição tão visitada por ex-alunos e ex-professores. É como se fizessem parte de um culto secreto. A educadora Italia Bettega (foto) entrou lá quando tinha 5 anos, em 1964. Em certo sentido, nunca mais saiu. Além de fotos, guarda cadernetinhas encapadas com papel tigre e coisa e tal. Cita nome e sobrenome das mestras que teve. Só falta descrever o que havia de merenda na quarta-feira.

Não é difícil encontrar outros tão aplicados quanto ela. Suas vidas, afinal, se dividem em antes e depois do "Papa". Pudessem, gravariam uma mensagem nos GPS, para que ninguém passasse em vão pela Rua Itacolomi, 700. Só não adianta lhes perguntar por que essa escola é diferente. Até tentam responder, mas o esforço se mostra inútil: seria óbvio como explicar por que gostam tanto das próprias casas. É o que dizem. Acredito.

Fotos e depoimentos sobre o "Papa"

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