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Segunda-feira próxima é Dia de São José. "No meu tempo de criança" [ai], a data era lembrada como se fosse Natal fora de época e alguns me perguntavam se eu estava fazendo aniversário. Não, não estava. Devia ter mentido. Suspeito de que hoje nem o santo goza da popularidade de antanho nem os pais se arvoram em dar aos filhos o sacrossanto nome de José. Pois é.

Dei-me conta disso ano passado ao ler um artigo de Roberto Pompeu de Toledo em que ele contabilizava apenas nove Josés na gorda relação de aprovados da USP. Fiz exercício semelhante com a lista na primeira fase do vestibular da UFPR. Se minhas contas estiverem certas, de 15.093 vestibas, perto de 30, apenas, têm José como primeiro nome, sendo boa parte seguida de "Júnior" ou de "Neto". José, só se for para honrar pais e avôs.

É curioso. De uma década para cá virou moda tirar a poeira de nomes que pareciam reservados aos obituários, como Pedro, João, Antônio e Miguel. Em baia própria, ganham fôlego os fortíssimos Sebastião e Jerônimo. Pela lógica, haveria uma leva de Josés nos berçários e no elenco de Malhação. Mas não. Tudo indica que estamos condenados à pasta suspensa da história, juntos com o Jair e o Valdir.

Tenho cá meus palpites. O mais bobinho é de que a culpa cabe ao José Mayer. Com vasta folha corrida no papel de galã cafajeste, chegou enfim ao infame estágio de pescador de robalos. Que mãe quer isso para sua cria? "Filho meu José, não". A outra hipótese é a de que o nome José não combina, digamos, com o atual estágio da evolução, tão dado ao poder, à juventude e ao sucesso.

José vira Zé, Zezinho, Zequinha e Jeca – no caso dos leitores de Monteiro Lobato, ele mesmo um José. Expressões como Zé Ninguém, Zé Mané, Zé Povinho saem das bocas para traduzir aqueles que não deram certo, o que subentende ser feio e ganhar pouco. José é genérico. A gente até encara, mas fica com a sensação de que não faz efeito.

Em paralelo ao sumiço dos Josés, cabe ponderar a baixa popularidade de São José, demitido depois de séculos de serviços prestados. Penso ter a ver com o encolhimento do movimento sindical, que via em São José Trabalhador – celebrado em 1.º de Maio – um interventor perante o Patrão Celestial. Foi manobra ideológica do PT, claro, e do Zé Dirceu, mas pulemos essa parte.

Pesa ainda sobre o marido de Maria ser velho, braçal e morar longe. Sem falar na situação conjugal delicada, e o pior, ao sabor dos linguarudos da vizinhança. Como nome é associado a destino, imagino que muitos pais procurem um santo protetor capaz de inspirar outros sentimentos que não a bondade, a castidade e a humildade, características agora reservadas a gente esquisita ou que não conhece a Fluoxetina.

Mesmo no panteão dos santos, São José leva uma surra. Antiga­mente, era a ele que as gurias recorreriam para pedir um marido que prestasse. No que foi atropelado por Santo Antônio, que arruma marido rápido e não raro sem controle de qualidade. Tsc, tsc. No quesito layout, idem. Desafiando a indústria dos cosméticos, São José tem sempre a mesma cara. Alguns santos foram milagrosamente remoçados na iconografia, de modo a mostrar sua atualidade e atrair os jovens. Mas pesa sobre o carpinteiro a tradição crist㠖 que o descreve como um homem avançado em anos.

Peço aqui minhas licenças para fazer a defesa do seu José. Ele enfrenta, sim, a dura concorrência de um legítimo adepto do mundo corporativo, Santo Expedito, para o qual não é preciso pedir duas vezes. Mas, semiologicamente, falando, São José é das imagens mais ricas da cultura ocidental.

Repare na figura do idoso que carrega lírios da pureza na mão direita e o Menino Jesus na mão esquerda. Diz tudo. Sabe lá como é que a gente vai chegar ao "último capítulo", mas tomara que seja com alguma inocência; sabendo que se é um pouco Zé como todo mundo; e dando o braço a uma criança, até que ela possa dizer a que veio. São as regras da vida.

P.S. se São José voltar à moda – e com ele os Josés – vai ser divertido ouvir de novo alguém gritar "Zééééé" e meia dúzia responder "o quêêê?". Nesse dia, seremos uma família normal outra vez.

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