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Essa semana, a imprensa paranaense se despediu do jornalista Arnoldo Higino Anater. Tinha 70 anos, era aposentado do Tribunal de Justiça, deixa viúva Lourdinha, três filhos e dois netos. Nasceu em Concórdia, Santa Catarina. E pelo que se sabe, fez jus ao belíssimo nome de sua cidade natal. Arnoldo vai deixar saudades.

Meu contato com esse veterano do jornalismo foi muito pequeno, mas tenho certeza de que se chegar à idade dele, e passar um filminho de minha vida profissional, vou lembrar do dia em que o conheci. Vivemos uma história instantânea, que costumo contar sempre que a conversa trata de leitores, jornal, favelas e padarias. Explico.

Em 2005, fui pautado para fazer uma dessas matérias edificantes de fim de ano. Quem é do ramo, sabe: é quase uma missão impossível ser criativo em meio aos clichês que rondam o Natal e o réveillon. Mas não tem escapatória – ou baixa o Tom Cruise ou racha. Baixou. Liguei para a Central da Gazeta do Povo e perguntei quem era o leitor mais interativo da casa. Nem bem terminei a frase e escutei um sonoro "o seu Arnoldo, do Cabral". Passei a mão no telefone e sapequei-lhe a pauta – convidei-o para passar uma manhã na Vila das Torres, num encontro entre moradores de "ilhas" urbanas diferentes. "É Natal, o senhor sabe..."

A idéia, sem direito a efeitos especiais, era uma espécie de aplicação prática de uma pesquisa sobre o comportamento dos leitores de jornal. Na contramão da imagem casmurra e solitária com que costuma ser retratada, a turma dos periódicos tem um olho na rua e outro na Cochinchina. Por natureza, essa confraria rejeita a caverna dos condomínios e dos shoppings – onde o mundo fica muito estreito – e tem gosto pelos espaços públicos, nos quais pode praticar seu esporte predileto: prosear até dizer chega. Exato. Por mais absurdo que pareça, o leitor de jornal é aquele que fala. A notícia o atiça. Se eu encontrasse um leitor falante que, ainda por cima, tivesse espírito natalino, bingo. Bendita Central do Leitor.

Apanhei Arnoldo em casa numa manhã de dezembro. Durante a pequena viagem até o Prado Velho, fiquei sabendo que era jornalista, o que quase botou tudo a perder. "Esse é treinado", pensei. Até ouvir do passageiro que na juventude trabalhara como repórter de rua no extinto Diário do Paraná, e que chegou a cobrir enchentes que assombravam a então Vila Capanema. Naquele dia, novamente dentro do carro da reportagem, Arnoldo estava indo ao encontro dos tempos em que era o Zé da Enquete, seu apelido de redação.

Ao chegar à vila, benza Deus, Anater ficou mais saltitante que Armstrong ao pisar na Lua. "Olhe, tem uma padaria!", apontou ao descer uma ruela. Havia bem uns 30 anos que não fincava os pés naquelas bandas, da qual só recebia notícias pela imprensa que-espreme-e-sai-sangue. A Torres é um campo minado, é verdade. Mas, igual a meio mundo, boa parte dos 8,5 mil moradores toma café da manhã com pão fresquinho comprado na padaria da esquina. "Eu me mordia de curiosidade. Mas confesso que tinha medo de voltar aqui."

Num estalar de dedos, não só tinha botado o medo para correr como roubou a cena. Lembro dele sentado ao lado de um latão de lixo, conversando com a família Oliveira – toda ela de catadores de papel –, moradora da Rua Sperandio Domingos Foggiato s/nº, homenagem ao jornalista que em meados do século mais retratou a cidade de Curitiba. Coincidência das boas.

Missão cumprida. O jornalista e os Oliveira pareciam veteranos de Monte Castelo. A teoria do leitor de jornal fazia sentido. E de lá para cá, não parei mais de prestar atenção em padarias. É um índice de humanidade: não há nenhuma na paupérrima favela do Icaraí. Nem nos condomínios fechados por onde andei. Se não há padaria, não há vida. Aprendi com o bom Arnoldo. Pão quente para todos.

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Últimas homenagens. A missa de sétimo dia de Arnoldo Anater será neste domingo, às 17h30, na Paróquia do Cristo Rei (Avenida Germano Mayer, 410).

José Carlos Fernandes é jornalista.

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