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Um dos meus esportes de réveillon é ler matérias sobre promessas para o ano que vai nascer. Por trás da aparente banalidade desse hábito, esconde-se uma conversa séria e produtiva, cujas raízes estão, creiam, na mística cristã inaciana. É próprio da piedade fazer exame de consciência todos os dias e elencar três ou quatro ações para o dia seguinte, para o mês que vem, para janeiro próximo.

Claro, não faltam nessas listas as intenções de sempre, como emagrecer, mudar de emprego, estudar mais, correr no parque e reatar laços. Mas se o leitor prestar atenção, vai perceber nas conversas a quantidade de mudanças de atitude que, embora miudezas da vida, são capazes de alterar a ordem do cosmos.

Anos atrás, uma dessas "quireras atômicas" me tirou do eixo. O texto de uma dessas revistas femininas que saem a rodo dizia: "Ano que vem vou buzinar menos". Achei engraçado. E a ideia ficou buzinando na minha caixola. A buzina é de fato uma das piores invenções da modernidade. Em mim, provoca uma comichão na espinha e a iminência de um ataque de nervos. Nem te conto.

Dia desses, conversando com o ativista Cláudio Oliver, da ONG Casa da Videira, ele me disse algo igualmente miúdo, porém com lastro de uma ogiva nuclear. Toda mudança, afirmou, começa na hora em que a gente diz "não" a uma sacola de plástico. Fiquei com a frase martelando. E me dei conta da infinidade de vezes que nos oferecem saquinhos na farmácia, no mercado, na loja de doces.

Oliver tem razão. Ao dizer "não" a gente faz download de questões como as falsas necessidades criadas, responsabilidade com o planeta, vida sustentável, cuidado com o próximo. Negar sacolinha plástica é como não buzinar: são dispositivos que nos tiram do primeiro plano e forçam a olhar o cotidiano a partir do outro, seja ele a Caximba ou o motorista que está à nossa frente.

Até pouco tempo, eu escrevia uma lista de propósitos de ano novo e imprimia. Prendia na estante de livros e me torturava 12 meses feito um Jó. Vou confidenciá-la, em parte: estudar inglês, fazer 600 abdominais por dia, perder 3 quilos, espantar a preguiça, não se isolar, encontrar amigos e parentes [tia Bianinha, Margot, Nenni, Michelle, Meire e Vergínia...], arrumar tempo para o lazer, colocar plantas na varanda...

Tirando a visita a minha querida tia Bianinha, o saldo de 2010 foi péssimo. Engordei sete quilos; meu inglês – não riam; a varanda – um deserto; há meses não pego um cineminha e aproveito aqui para mandar um abraço às minhas amigas Margot, Nenni, Michelle, Meire e Vergínia. Não me queiram mal, meninas. OK: nunca mais buzinei, pois vendi o carro. E tenho dito não a plásticos. Média final: 2,5.

Não importa. Mesmo em segunda época, a lista será refeita, repetindo o mito de Sísifo, aquele que sobe a montanha carregando pedras, para derrubá-las, outra vez e assim por diante. Já encontrei, inclusive, qual vai ser a minha "buzina de 2011": uma fala do sociólogo francês Dominic Wolton em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Embora seja um dos papas da "era da informática", Wolton propõe que as pessoas façam uma greve tecnológica, abdicando de e-mails, celulares e afins. E, o mais importante – que voltem contentes às máquinas analógicas.

Trata-se de uma blague, à francesa, obviamente. Mas faz sentido. Estamos em meio a um buzinaço de informação. E informação em excesso não é comunicação, diz o mago. No momento mais inspirado de seu discurso, lembra do tempo em que tínhamos 20 poses num filme. Olhávamos muito antes de fotografar. Hoje, não mais e seguimos clicando, clicando aos milhares, sem enxergar. Taí: reaprender a enxergar pode ser um bom programa para o ano que vai nascer.

Em tempo. Acabo de comprar uma pequena máquina digital. Vou acabar clicando e clicando e clicando. Céus, por que a gente é assim? Feliz 2011. Que fotografemos pouco, buzinemos nada e erradiquemos o plástico do mundo no ano que vai nascer. No mais, desculpem alguma coisa. Beijos.

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