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 | Foto: Henry Milléo – Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Henry Milléo – Arte: Felipe Lima

Confesso. Levei um susto logo às primeiras notícias sobre a repartição da Praça do Japão em dois – feito um manju esfaqueado. O sacrifício seria para dar vez aos "azulões", sinal da nossa pujança nos transportes, prova matemática da nossa falta de bitola para ônibus tão grandes. Acompanhei qual um torcedor o protesto dos moradores, o abaixo-assinado de mais de 2 mil indignados, os desmentidos da prefeitura, chamando o suposto desmanche de "adequação", algo como um lifting. Só não se queimou pneu na esquina da Sete de Setembro com a Francisco Rocha porque Buda não resistiria.

Fiz propósito de ano-novo de que não abriria minha boca a respeito, nem sob tortura, o que aqui descumpro sem pudores. Como já se alertou, o caso da Praça do Japão não é bolinho. Corremos o risco de assistir aqui a uma edição local da "Estação Angélica", em São Paulo, 2010, quando os moradores do rico e tradicional bairro de Higienópolis protestaram contra o projeto de um buraco do metrô na região.

Como se sabe, no meio do bate-boca alguém gritou que o local ficaria apinhado de "gente diferenciada". A chapa ficou quente e a conversa, bem temperada. Em resposta à posição esnobe dos moradores, populares e ativistas brindaram o bairro com um bom churrasco de gato, seguido de pagode e coisa e tal. Virou piada infame do Danilo Gentili. A conversa desceu pelo ralo. O episódio curitibano pode ter o mesmo destino se for encarado como uma luta de classes nas barbas do Batel.

A Praça do Japão fica na proletária Água Verde, mas se vê como Batel, com o qual se identifica na aparência, na escolaridade e na conta bancária. Não é crime. Há casos semelhantes em outras divisas municipais. Parte da hoje rica Vila Isabel, por exemplo, é Portão. Mais que uma zona afortunada, contudo, a praça forma uma daquelas ilhas urbanas que causam arrepios de emoção até no mais insano dos urbanistas. Ali, "a cidade acontece". Repare.

Apesar de todos aqueles monumentos à riqueza que brotaram do chão – escondendo impunemente a torre da Igreja de Santa Terezinha –, a Praça do Japão não é luxo só de vidro fumê ou pastiches neoclássicos. Não é só pessoal cheio da gaita. Há restaurantes que vendem comida barata e marmitex. Quitandas. Prédios de singles. Edifícios antigos habitados por vovós elegantes, que se viram como podem com a aposentadoria.

Sobretudo, o entorno da praça tem, acredito, um dos únicos casos planetários em que a trágica convivência da ciclovia com a calçada deu certo. É garantia de segurança pública. Não raro, até de madrugada tem gente treinando corrida, rumo ao parque horizontal da Avenida Arthur Bernardes. E onde tem gente tem paz. Onde tem marmitex e padaria também. Toda essa gente diferenciada e seus hábitos peculiares são garantia de tranquilidade para aquela parcela da população que tem salário médio de R$ 11 mil e não vive no Japão, mas nas cercanias da Praça do Japão.

Em tese, a passagem dos "azulões" – não pelo meio da praça, como se disse em meio à grita, mas pelo lado – só aumentará a prosperidade nipocuritibana. Quanto mais variados tipos de públicos, o que inclui quem entra e sai do ônibus, mais cidade. Para não dizer que não falei das flores, é bom lembrar que não se conhece em Curitiba caso de praça que permaneceu merecedora desse nome depois de receber um terminal de ônibus. É incrível o poder das estações-tubo de transformar espaços de lazer em sombrios locais de passagem. Parece ser esse o fio da conversa – se os ânimos mais exaltados permitirem.

Em tempo. No início da década de 1960, falar (mal) da Praça do Japão era esporte municipal. Está lá nas páginas amareladas da velha Gazeta: dizia-se impropérios contra a lama em dias de chuva. Nos dias de sol, "mais parecia uma cratera lunar", tudo culpa do prefeito Iberê de Matos, a quem o jornal não mandava afagos. Iberê se foi. A praça se consolidou às pingadinhas, tornando-se um desses locais onde se pode viver junto, tirar foto de casamento, praticar tai chi chuan, ficar de papo pro ar, levar os parentes para conhecer um lugar bonito. Não é pouco. Só nos resta dizer "devagar com o ônibus", seu prefeito.

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