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Quando comentei aqui o livro Grito de Guerra da Mãe-Tigre, da americana de origem chinesa Amy Chua, alguns leitores escreveram para manifestar discordância com os métodos duros que a autora adota com as filhas que, desde pequenas, são obrigadas a estudar o dia todo para serem um sucesso total na vida escolar. Ainda que aprovem o reforço escolar em casa, os leitores torcem o nariz para o excesso de disciplina e de trabalho do modelo chinês. Além das ponderações que se pode fazer sobre como as crianças assimilam conhecimento, o caso nos leva a outra questão: o que é ser bem-sucedido, afinal? Estar preparado para concorrer aos melhores empregos? Ser capaz de desempenhar um trabalho que te faz feliz? Ficar rico? Contribuir para a sociedade de forma efetiva, ainda que anônima? Ser famoso?

Nesta semana folheei ao acaso uma revista do governo dinamarquês –o leitor não imagina a variedade de coisas que chegam a uma redação de jornal. A revista trazia um texto assinado por Poul Kjaer, que vem a ser um executivo de uma multinacional e professor em uma escola de negócios (chequei o currículo na internet). O artigo de Kjaer leva o sugestivo título: "Uma nação baseada na brincadeira" e explica o sistema educacional da Dinamarca, um dos países mais ricos e estáveis do mundo. Diz ele que o fundamento da pedagogia dinamarquesa é "que o bem-estar é a base para se adquirir co­nhecimento e habilidades. Em contraste, há menos foco na disciplina e na memorização". Apesar de as crianças terem creches disponíveis a partir de 1 ano de idade e contraturno até o ensino médio, elas basicamente brincam nesses locais, com pouca interferência dos adultos. As provas e avaliações começam na oitava série! E isso funciona? Para usar o critério disponível, o teste PISA (um programa internacional de avaliação comparada), aplicado pela Organi­­zação para Cooperação e Desen­volvimento Econômico (OCDE), as crianças dinamarquesas ocupam a 25.ª posição em proficiência de leitura; as brasileiras estão em 54ª. E a chinesas, em primeiro.

É evidente que, assim como a educação não se dá só dentro da sala de aula ou na hora da tarefa, as metas de uma população refletem a realidade do país. O contexto chinês (ausência de democracia, necessidade de gerar riqueza para uma população enorme, valores oriundos unicamente da necessidade de desenvolvimento econômico) explica o que eles querem para si e para seus filhos. Por outro lado, se os países ricos acreditassem que precisam sacrificar a infância de suas crianças para garantir que continuarão ricos, teríamos de concluir que há algo muito errado.

Não é que eu esteja defendendo o comodismo ou a negligência. Mas a riqueza material do indivíduo ou da nação não pode ser um fim em si porque isso implicaria deixar muitas coisas importantes ao longo do caminho, inclusive a possibilidade de uma vida feliz. Aplicando o raciocínio em uma escala menor, seria equivalente a levar uma existência miserável, voltada somente ao trabalho para manter uma conta bancária polpuda ou uma vida de ostentação. Uma roubada – se o leitor me permite arriscar um veredicto.

E o Brasil? O exemplo dinamarquês nos ajuda a ver nossos pontos fracos. Outra pesquisa citada por Kjaer mostra que as crianças dinamarquesas, junto com as finlandesas, são as que mais entendem a democracia, o funcionamento das instituições e os direitos dos cidadãos. E que confiam nas instituições.

Confiar nas instituições de seu país significa muito: que o cidadão se sente protegido, que sabe existir justiça (e que, portanto, não dá para desrespeitar as regras e leis). Em resumo, se você confia nas instituições, não vai agir como uma fera solta na selva lutando por sua sobrevivência do jeito que lhe parecer melhor. É aqui que o bicho pega para os brasileiros. E não preciso dizer mais nada.

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