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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

O Luis Fernando Veris­­simo, que escreve aqui neste mesmo espaço nas quintas-feiras, é o cronista que eu queria ser. Gosto do humor sutil dele. Por isso comprei o livro Conversa sobre o Tempo, que registra um papo en­­tre Verissimo e o jornalista carioca Zuenir Ventura, aquele que escreveu 1968, o Ano que não Aca­­bou. Trata-se de uma série de conversas, quase entrevistas, sobre amizade, família, paixões, política e morte. Verissimo é homem de poucas palavras e precisa ser cutucado para contar alguma coisa. Eu soube que há uns poucos anos, quando esteve em Curitiba para uma apresentação com os irmãos Caruso no auditório do Oscar Niemeyer, Verissimo involuntariamente torturou uma moça curitibana encarregada de levá-lo para almoçar. O lugar escolhido foi a churrascaria da Sociedade Urca, ali no Ahú, pertinho do museu. Ainda bem que era pertinho. A moça relatou a conhecidos que Veris­­simo não abriu a boca no trajeto e nem no restaurante. Mastigou a carne assada em meio ao silêncio dos inocentes, deixando a sua acompanhante enlouquecida de desconforto.

Pois bem, no livro Verissimo fala. É verdade que eu não estava interessada em saber como foi a primeira experiência sexual do gaúcho – e se alguém estiver interessado, eu conto: pelo relato dele, foi um tédio. Mas há ou­­tros aspectos que chamam a atenção. Em determinado mo­­mento, Verissimo e Zuenir concordam entre si que a franqueza absoluta em uma relação familiar não é necessária. "Franqueza demais é até má-educação", diz Zuenir. E Verissimo: "Acho que é preferível manter a harmonia, o bom relacionamento, e esquecer a verdade". Ninguém precisa de ajuda para imaginar algumas situações em que o silêncio é mais saudável do que a exposição da verdade nua e crua.

Podemos, portanto, pular para outro trecho do livro em que os dois falam da situação oposta: daquilo que merece ser dito, mas não dizemos. Tanto Zuenir quanto Verissimo lamentam não ter dito algo para seus pais. Verissimo, o tímido de nascença, lamenta ter sido muito fechado com o pai. Diz ele: "Não faltava amor, né? Mas, por mi­­nha causa, havia muito pouca comunicação com ele. Isso eu lamento bastante." E Zuenir: "Parece piegas o que vou dizer, mas eles nunca souberam direito como eu sou grato a eles pelo que fizeram, à maneira deles".

Preste atenção no "à maneira deles". Zuenir tem mais de 70 anos e seus filhos são adultos. Portanto, hoje, revê o relacionamento com os pais à luz da sua própria experiência de paternidade e também de suas lembranças de filho. E vê o amor por trás das atitudes do pai durão e da mãe que não estudou, mas que se empenhou para que ele estudasse. Zuenir lamenta não ter agradecido. Verissimo lamenta não ter tido mais intimidade com o pai – permitir a intimidade com alguém é uma forma de dizermos que gostamos daquela pessoa do jeito que ela é.

Quando falam dos filhos, os dois são só elogios e valorizam a boa relação que mantêm com os herdeiros. Nenhum dos dois se queixa de falta de manifestações amorosas dos filhos.

É assim mesmo que funciona: a expressão da gratidão e do amor não é algo que se cobra dos filhos. É algo que cobramos de nós mesmos quando o tempo passa e não há mais como remediar o não dito.

Como dizem os dois senhores septuagenários do livro que estou lendo, para alguns temas, franqueza demais é nociva. Para outros temas, a falta da franqueza (de expressar sentimentos) é dolorosa porque um dia cobra seu preço.

Uma solução ingênua, infantil mesmo, mas que me passa pela cabeça, seria fazermos uma cápsula do tempo, daquelas que se fazem para guardar jornais e mensagens de hoje que serão enterradas e depois reabertas décadas mais tarde. Na cápsula, declararíamos nossos amores e gratidões. Verdades doloridas, talvez não (se causaram dor em mim, podem doer inutilmente na próxima geração também). Mas não enterramos a cápsula. Ao contrário, entregamos em mãos e, se a timidez ou a vergonha se impuserem, saímos de perto. A mensagem será lida e não teremos o que lamentar quando os destinatários do nosso amor e da nossa gratidão não estiverem mais aqui.

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