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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Sempre me perguntam se fico angustiada com a possibilidade de não encontrar assunto para uma crônica semanal. Não fico angustiada – respondo sinceramente. Caçar um tema com dificuldade ou percebê-lo suavemente, como se descobre um beija-flor em meio à paisagem, faz parte da aventura. Dito isso, confesso que, tentando antecipar o trabalho desta semana, sentada diante do computador em busca de um tema e de um texto, eles não vinham. Só o tema não basta. Preciso estar preparada. Veja o caso dos vaga-lumes. Há meses planejo escrever sobre eles. Li muito, já sei como se escreve vaga-lume em cinco idiomas e ainda não estou pronta para falar sobre eles, que já foram embora com o verão.

Repassei vários temas para ver se um deles ganhava corpo dentro de mim. Iniciei uns três, que vão aguardar a hora deles, inclusive aquele sobre os vaga-lumes.

Batalha perdida, fui me distrair abrindo o livro Clarice na Cabeceira, que reúne textos que Clarice Lispector publicou em jornais e revistas nos anos 60 e 70.

Todo mundo devia ter a chance de ser entrevistado por Clarice Lispector uma vez na vida

Além da humilhação que senti diante da beleza da maioria das crônicas (quem manda ler Clarice Lispector em uma hora dessas?), houve um certo estranhamento. Não reconheci nenhuma delas. Concluí que era a primeira vez que pegava no livro. Para meu espanto, havia frases grifadas. Grifos que não me diziam nada. Invento mais uma conclusão: que outra pessoa havia lido o livro antes de mim e marcado aquelas frases. Outra página virada e lá está uma anotação com a minha letra. Susto! Eu já tinha lido parte do livro e não lembrava de quase nada.

Só me eram familiares as duas primeiras entrevistas feitas por Clarice para a revista Manchete, a primeira com Nelson Rodrigues (que se revela um homem carente e desarmado) e a segunda com Tom Jobim (ele e Clarice dialogam como dois gênios adolescentes). Ela era uma entrevistadora ousada e ao mesmo tempo ingênua. De cara, pergunta a Tom Jobim se “é terrível ter 40 anos”. A pergunta me fez rir sozinha.

Se esqueci do que havia lido, não é culpa de Clarice. O culpado deve ser a forma apressada, distraída, com que às vezes tocamos a vida. O livro é encantador. Todo mundo devia ter a chance de ser entrevistado por Clarice Lispector uma vez na vida. Valeria por anos de análise e de meditação. Como isso não é possível, proponho um substituto. Memorize as três perguntas que ela fazia para todos seus entrevistados e ponha-se a respondê-las com sinceridade (ela exigia sinceridade e parece que sua demanda era obedecida pelos entrevistados).

Não se preocupe em ter as respostas prontas, na ponta da língua. Vá compondo-as aos poucos, enquanto toca a vida. Lá vão elas:

“Qual é a coisa mais importante do mundo?”

“Qual é a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo?”

“O que é o amor?”

Eu ainda acrescentaria a pergunta que ela fez ao Tom Jobim com suas variações: é terrível ter 40 anos? É terrível ter 20 anos? É terrível ter 65 anos?

Parece simples responder tudo isso, mas não é.

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