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 | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

O Centro da cidade onde moro tem coisas que não se veem em outro lugar. A loja que vende produtos para homens tem um piso de tábuas de madeira que rangem quando pisadas, e uma grande vitrine onde estão as ceroulas (com ou sem abertura), lenços, galochas, luvas, chapéus de pelo de lebre e gravatas borboletas. Um cartaz improvisado anuncia a chegada dos excelentes bonés Kangol: "os mais desejados e procurados do mundo". Para quem não sabe (eu não sabia), trata-se de uma marca inglesa. Coisa fina, que se encontra no Centro da cidade onde eu vivo.

Vi outro cartaz improvisado a poucos metros dali: "É proibido entrar na loja tomando sorvete". Dividindo parede com essa loja de armarinho, que existe desde 1943, tem outra loja de armarinhos. As duas têm o mesmo nome. Isso é estranho, mas está lá, no Centro da cidade.

No Centro da cidade tem um Papai Noel que circula com sua roupa vermelha o ano inteiro e que interrompe sua caminhada para cumprimentar a gari. Essa gari é bonita e esconde o rosto atrás das abas do boné.

No Centro tem vendedores de artesanato, herdeiros dos hippies. Mas ao contrário daqueles, que queriam viver no campo, esses estão sempre no Centro.

Há pessoas que parecem ser imigrantes recém-chegados de um país distante (chineses, africanos, árabes?). Elas estão no Centro. Nunca as vemos nos bairros.

Tem mendigos no Centro. Muitos. Eles estão em outros bairros também, mas aqui são muitos.

No Centro da minha cidade não há livrarias nem salas de cinema, o que é esquisito. Há muitos sebos. Muitos foram abertos nos últimos anos.

Há cafés no Centro, mas as confeitarias estão acabando. Padarias, há menos que nos bairros, duas ou três famosas por seus francesinhos e suas broas.

Há quem faça happy hour no Centro, insistindo no chope nas mesas do calçadão, apesar dos vendedores e pedintes que incomodam.

Há música no Centro, mas é pouca. Às 6 da tarde, passando pelas barracas de flores, ouvi a voz que cantava bossa nova para os fregueses do café. Um luxo para o Centro. Perto dali, começa a movimentação dos que correm para pegar os ônibus e voltar para casa. Tem muito ponto de ônibus no Centro.

Tem crack.

Tem putas, mas andam mais escondidas que em outros tempos.

Tem gente, muita gente. Menos nas manhãs de domingo, quando o Centro da cidade se esvazia.

Tem os prédios mais bonitos da cidade.

De vez em quando, autoridades decidem fazer eventos culturais no Centro, para animá-lo. Funciona. Mas, acabado o show, o fim de semana do Centro volta a ser silencioso.

As pessoas andam com medo do Centro e não circulam por aqui, a não ser que seja muito necessário.

Esse é um retrato modesto do Centro da minha cidade em junho de 2013.

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