• Carregando...
 |
| Foto:

Na época em que eu me divertia em matinês de carnaval vestindo fantasias costuradas pela dona Maria do Carmo, minha mãe, tive na escola um livro de Português que trazia o conto Antes do Baile Verde, da Lygia Fagundes Telles. Nele, uma moça se prepara para um baile de carnaval colando lantejoulas na saia de pierrette que irá vestir. A leitorinha que eu era achou aquilo lindo. Guardei na memória a imagem da moça preparando uma fantasia, animada para ir ao baile, que era a balada daqueles anos 70.

Relendo agora, vejo o que não notei aos 11 anos. O conto tem um lado dramático (alguém vai morrer naquela noite de carnaval) e detalhes nada infantis (a moça se consola no uísque, o namorado da amiga "enche a caveira").

O alto teor alcoólico do conto de Lygia Fagundes Telles não me causa espanto; está dentro do clima de fevereiro. É difícil encontrar um bom registro de cena de carnaval sem um folião trocando os pés. Antes do Baile Verde termina citando uma marcha, Pierrô Apaixonado, na qual Noel Rosa fala de figuras românticas, mas alcoolizadas. Você já prestou atenção na letra?

"A colombina entrou num butiquim

Bebeu, bebeu, saiu assim, assim

Dizendo: ‘Pierrô cacete

Vai tomar sorvete com o arlequim’."

O pierrô do Noel Rosa não quer sorvete e procura outro consolo:

"Um grande amor tem sempre um triste fim

Com o pierrô aconteceu assim

Levando esse grande chute

Foi tomar vermute com amendoim."

Vermute com amendoim? O tal pierrô estava mal mesmo. E não estava sozinho, talvez tenha cruzado na saída de algum boteco com o personagem da maravilhosa Camisa Listrada, de Assis Valente:

"Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí

Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati".

Parati, descubro agora, é sinônimo de cachaça. Segundo o relato de sua amantíssima esposa, o rapaz da camisa listrada, depois de se embebedar, "rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia / abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinação" e foi para o baile vestido de Maria Antonieta...

Acha pouco? Então veja o que faz outro folião, este retratado por Ary Barroso em um samba de letra tão elaborada que mais parece um poema épico, Camisa Amarela. A esposa descreve assim a saga do marido:

"Não estava nada bom o meu pedaço

Na verdade estava bem mamado

Bem chumbado, atravessado

Foi por aí cambaleando."

O porre foi tão feio que o "pedaço" dormiu sem tirar a camisa amarela e os sapatos. Acordou uma semana depois, de mau humor, e, segundo conta a esposa que tudo perdoa, "pegou a camisa, a camisa amarela e botou fogo nela". Quer coisa mais carnavalesca do que pôr a culpa na cor da camisa?

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]