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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Na avenida em frente ao mar há um prédio baixo, com varandas, venezianas de madeira, cobogós. É um edifício dos anos 50, da época em que os prédios residenciais eram construídos como grandes sobrados e ganhavam nomes em bom português, como Santa Terezinha, Maria Luiza ou Oceania.

O Oceania está localizado na Praia de Boa Viagem, em Recife, e é o cenário do filme Aquarius, do diretor Kleber Mendonça Filho. O filme tem um tema forte: a expansão imobiliária que, nas cidades brasileiras, promove a substituição de casas e prédios de décadas passadas por outros mais modernos, mais caros, onde cabem mais moradores. Não que a substituição seja necessária para que as pessoas vivam melhor ou para acabar com o déficit de moradia. Mas sim porque essa é a dinâmica econômica e porque, no Brasil, vigora a mentalidade de que tudo fica velho muito rápido, que a novidade é sempre melhor.

No Brasil, vigora a mentalidade de que tudo fica velho muito rápido, que a novidade é sempre melhor

Estou me repetindo, voltando a um assunto sobre o qual já escrevi outras vezes. Se me repito é porque o tema me incomoda. Os bairros das cidades brasileiras onde o furacão novidadeiro passa não ficam mais bonitos nem mais habitáveis. Ficam iguais a todos os outros, com as mesmas fachadas modernosas que em cinco ou dez anos serão antiquadas e ultrapassadas. O que revela que não há refinamento estético por trás da mudança – há moda. Como acontece conosco, quando embarcamos na última “tendência” – e vestimos aquele paletó de golas largas ou o vestido com ombreiras gordas e, anos depois, ao nos revermos em fotos, pensamos: que ridículo! –, acontece também com a cidade. A estética superficial, desenraizada, importada, envelhece mal.

O edifício Oceania (Aquarius, no filme) é simples e bonito. Uma construtora planeja pô-lo abaixo para levantar um prédio alto, chic, com nome em inglês. Mas tem uma pedra no caminho da grande obra: a moradora que não quer sair, a aposentada que planejou ficar no apartamento até morrer.

Para mim, ver a situação dessa mulher, Clara (interpretada por Sonia Braga), foi angustiante.

Ela está acuada. Só quer ficar em casa, mas esse desejo começa a parecer loucura. Não importa que o filme tenha o mar azul de Recife, que a vitrola de Clara toque Roberto Carlos e Maria Bethânia, que ela finja que está tudo bem. Tem algo de sinistro na situação, um perigo iminente, como naqueles filmes do Polanski que se passam em edifícios habitados por gente maluca e perigosa. No edifício Aquarius só mora Clara e os apartamentos vazios vão sendo usados para toda sorte de esquisitice. A gente maluca e perigosa está lá fora e força a porta para entrar.

Goste-se ou não do filme, a mensagem é provocadora. Os que não se deixam contaminar pela febre que domina a sociedade, seja que febre for (em Aquarius, é a ganância disfarçada de progresso), ficam acuados. Se ela resistir, a degradação planejada vai cercá-la. Se sair, estará abrindo mão de seu refúgio repleto de memórias para abrir espaço para o dinheiro. Enquanto isso, a voz de Taiguara, no LP, canta por ela: “trago em meu corpo as marcas do meu tempo, meu desespero, a vida num momento...”

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