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Era uma caixa de madeira que ficava guardada no guarda-roupa dos meus pais — todas as fotos da família cabiam ali. As mais recentes, as raras, as antigas que só eles sabiam explicar. Era o caso do casal que aparecia em duas fotos. Em uma, ela estava vestida de noiva. Na outra, o marido reaparecia com o mesmo terno e a mesma expressão de perplexidade no rosto, mas a esposa só havia preservado o penteado e os sapatos — nesta imagem, ela vestia um tailleur — e, surpresa!, o casal agora estava acompanhado por dois meninos de sete, oito anos. Alguém me explicou que, como na época era rara a oportunidade de ser fotografado, algumas pessoas da zona rural aproveitavam uma ida à cidade para fazer vários registros. O casal — parece que eram primos distantes de meu pai — levou o vestido de noiva e os filhos para o estúdio fotográfico. Pelas roupas, avalio que as fotos fossem do início da década de 1950.

Caixas semelhantes e álbuns devem ter existido na maioria dos lares da classe média brasileira. Um dia, as fotos seriam divididas entre os herdeiros para contar histórias para pelo menos a mais uma geração. Lembrei da caixa ao passar, há alguns dias, por um local onde havia uma reunião festiva de servidores públicos. Eles faziam tantas fotos com suas câmeras digitais e celulares que parecia que alguma celebridade passava por ali. Me pergunto o que terão feito com as imagens captadas naquela noite. Gravaram com cuidado em um suporte mais seguro, como o CD? Imprimiram em papel fotográfico e fixaram nas páginas de álbum usando aquelas cantoneiras pretas? Ou as imagens continuam lá, na câmera e no celular? E se o ladrão levar a câmera? E se o celular for perdido? A caixa dentro do guarda-roupa era mais segura.

Fotografia virou coisa banal — todo mundo, toda hora pode ser fotografado. Um bebezinho curitibano de dois anos de idade deve ter sido mais fotografado que Greta Garbo, em toda sua infinita beleza, enquanto era a rainha absoluta do cinema. Tenho pena dos padrinhos do bebezinho que, em vez de folhear um álbum de 20 páginas, serão convidados a ver na tela do computador ou da tevê as 673,5 fotos que os pais corujas "selecionaram".

É cedo para saber o que vai ser feito com tanta imagem digital. Se serão preservadas e identificadas ou se não resistirão mais que uma geração. A abundância nos torna preguiçosos e desleixados — as imagens vão se acumulando, sem identificação, num limbo digital. Convenhamos, era muito fácil anotar atrás da foto em papel a data e o local. Às vezes, as pessoas faziam dedicatórias que também explicavam a relação entre o sujeito da foto e aquele que a guardou. Coisa do tipo: "Para a madrinha Henriette, com o respeito de seu afilhado Januário".

Pegamos aquela foto perdida no fundo da caixa e nos perguntamos se é o caso de guardá-la. Nem lembramos direito daqueles colegas de trabalho, nunca mais encontramos nenhum deles. Mas a fotografia em papel tem cara de documento, de algo que, se perdido, não pode ser recuperado. E a imagem 10x15 fica ali por mais uma década.

A imagem digital pode se perder, esquecida entre os e-mails, em um CD que se extraviou entre outros no escritório ou naquele arquivo que salvamos rapidamente em uma pasta do computador que já não lembramos qual é. O fato é que fotos digitais me deixam insegura. Imagino as gracinhas das crianças se perdendo para sempre ou as paisagens da viagem esquecidas em alguma pasta do computador que eu nunca mais vou conseguir acessar. Sei que meu temor é bobagem, coisa de quem passou a infância curtindo as poucas vezes em que as fotos da família saiam da caixa. Mas, por via das dúvidas, mantenho minhas próprias caixas no guarda-roupa.

Marleth Silva é jornalista.

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