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Na escada rolante, as duas moças estão dois degraus à minha frente. Ouço o que uma diz para a outra: "Tem dias em que acordo me sentindo órfã." A amiga não diz nada, as duas viram à direita e eu, à esquerda. Caminho olhando para trás, querendo ver o rosto dela. Minha vontade é puxá-la pelo braço e dizer: "Eu também, eu também".

A moça é muito nova, quase adolescente, e "tem dias" em que se sente órf㠖 sorte dela que são apenas alguns dias. A partir de certa fase da vida acho que todo mundo é ou se sente órfão quase todos os dias, caso preste atenção em como está se sentindo. A rigor, órfão é aquele que perdeu o pai ou a mãe. Mas órfão também é aquele que está desprotegido, diz o dicionário Houaiss.

É por isso que há adultos órfãos de fato e adultos que se sentem assim. Porque na hora em que se veem em um beco sem saída (que às vezes aparece depois de outro beco sem saída, e de outro...), na hora em que se cansam, não veem ninguém para dar aquela ajudinha simbólica, mas que alivia. Ninguém para dar o beijo na ferida, para assoprar e dizer "quando casar sara". O beijo na ferida não cura nada, mas nos diz que alguém está olhando por nós. Os órfãos têm de assoprar suas próprias feridas.

Os pais às vezes deixam os filhos órfãos porque são ausentes, porque têm suas limitações, por isso ou por aquilo. Nem sempre é a morte que nos transforma em órfãos. Às vezes é o tempo, que envelhece aqueles que nos cuidaram um dia, aqueles que nos mimaram. Tios e avós também nos deixam soltos no mundo quando se ausentam ou quando perdem a energia necessária para apoiar com presença, com palavras.

O tempo, sempre o tempo. Na maioria dos casos, a ausência das gerações mais velhas na vida de alguém tem razões cronológicas. É a velhice, a morte, as limitações físicas que causam o distanciamento. Ninguém faz por mal, ninguém escapa disso.

Encontrei pessoas que conviveram com bisavós, avós e tios por muito tempo. Já estavam muito entretidos com seus próprios filhos quando as perdas começaram a rondar a família. Sorte deles. Passaram muito tempo sem experimentar a orfandade.

Essa orfandade é apenas sentimentalismo? Pode ser. Nascemos destinados a ela; até as criancinhas sabem disso e temem o dia em que ela vai chegar. Mas "tem dias em que acordo me sentindo órfã" – eu, a moça da escada rolante (tão novinha!), talvez você. Nesses dias queríamos mãe, pai, avó, avô, tio, tia, o velho amigo por perto. Precisamos deles e que eles se apresentem mais fortes que nós, porque estamos nos reconhecendo fracos.

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