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Depois de muitas viagens de avião, um dia descobri o medo de voar. Foi logo depois da queda do Fokker da Tam que decolava do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 1996. Não sei dizer se o acidente teve algo a ver com isso, o fato é que nunca mais deixei de sentir medo na hora da decolagem. Naquele dia eu estava lá, apavorada e quietinha no meu lugar, sem saber o que fazer com aquele medo todo de que o avião não me levasse a lugar nenhum, quando notei que o rapaz ao meu lado parecia estar passando mal. Era um jogador do São Paulo que voltava de uma partida em Curitiba, um mulato alto e forte. Cotovelos apoiados nas pernas, cabeça entre as mãos, ele parecia doente. Perguntei se estava passando mal e ele respondeu que tinha medo de avião:

– Só viajo por causa do trabalho. Quando eu parar de jogar, nunca mais piso em um aeroporto.

Distrai-me com o sofrimento do atleta, que contou alguma coisa sobre a mulher e a filha que o esperavam, e esqueci meu medo.

Mas o medo não me abandonou mais. Naquela época, assim como o jogador pensava na mulher e na filha, eu pensava na minha mãe. Eu não podia morrer porque minha mãe sofreria muito. Uma mãe perder um filho é algo inconcebível, tamanha a dor que deve causar. O pensamento tornava ainda maior meu pavor, mas tinha um pouco de crença mágica – eu não posso morrer (e, portanto, não vou morrer) por causa da minha mãe.

Em toda decolagem, o pânico reaparece. Só que agora não penso mais em minha mãe, que, portadora de Alzheimer, não se daria conta do meu desaparecimento. Penso em meus dois filhos, porque acredito que eles não podem ficar sem mim em hipótese alguma. Tenho novamente uma forte razão para não morrer.

Quando meus filhos não vão mais precisar de mim? Quando tiverem 30, 40 anos? Mas aí não irão lamentar que eu não conviva mais com meus netos? Quando tiverem 50, 60 anos? Pode ser que não precisem mais de mim por nenhuma razão prática (assim espero), mas não vão necessitar do meu apoio?

Nesse quadro, entra a velhice para me dar uma resposta. Ela traz a decadência do corpo e, às vezes, da mente, o que se traduz em sofrimento para o idoso e para quem o ama. Em alguns casos, é um pequeno sofrimento; em outros casos, é um grande sofrimento. Mas ao menos essas perdas da velhice nos ajudam a aceitar o fim da vida. "Descansou", dizemos à família de alguém que morreu após uma longa doença ou uma velhice cheia de limitações. Quando meus filhos não vão mais precisar de mim? Talvez nunca. Quando vão sofrer menos com o meu desaparecimento? Quando perceberem que eu preciso descansar.

* * *

Andava me perguntando por que os atletas brasileiros são tão chorões. Consultei colegas que já cobriram outros Jogos Olímpicos e os que estão agora em Pequim e eles me garantiram que verter lágrimas copiosamente não é exclusividade nossa. Choram búlgaros, americanos, franceses e nigerianos. Os próprios chineses, tão treinadinhos e dedicados, seriam chorões de primeira.

Marleth Silva é jornalista.

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