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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Valter Hugo Mãe, o escritor português, passou por Curitiba esta semana para participar do Litercultura, este delicioso evento literário criado pela Manoela Leão e pelo Mario Helio Gomes. Na noite de quinta-feira, na Capela Santa Maria, falou para um público muito jovem e respeitoso, que se animou a esperar em uma longa fila para pedir um autógrafo ao escritor, ele também jovem (tem 42 anos).

O português nascido em Angola é um poeta, além de romancista. Suas falas são intercaladas por sentenças que parecem versos de um poema. Seu pensamento é exteriorizado em voz baixa, delicada.

Anotei uma frase: "Somos o que somos porque estamos rodeados do que nos rodeia". Óbvio, dirá alguém. Nosso caráter, personalidade, opiniões e idiossincrasias são resultado do ambiente em que crescemos, da nossa família e da nossa comunidade. Também da paisagem e dos objetos – acrescentaria o Valter português –, da língua que falamos e do comando político do país em que vivemos. Os portugueses que viveram sob a ditadura de Salazar se convenceram de sua pequenez em comparação com o resto do mundo, mesmo que ela fosse algo inventado pelo ditador para manter o povo acomodado em seu "destino" – observou Valter.

Se óbvio, o pensamento de Valter Hugo Mãe sobre sermos o que somos "porque estamos rodeados do que nos rodeia" é também relevante. Esta semana, andei pensando no que rodeia os dois povos envolvidos no conflito na Faixa de Gaza. Que personalidades, que projetos de vida se formarão naquelas crianças palestinas que têm suas vidas interrompidas por bombardeios, que veem suas casas desaparecem e seus amigos morrerem? Quantas vezes ainda verão isso acontecer até que cresçam e sejam elas a tomar decisões?

E as crianças israelenses, que ouvem seus pais falarem em autodefesa ano após ano e que se sentem cercadas por ameaças, que projeto de vida poderão criar que não seja a autopreservação a qualquer preço? Não estariam elas e seus pais alimentando o ciclo sem fim de um temor herdado dos antepassados perseguidos na Europa, sem ter para onde fugir? Somos o que somos porque estamos rodeados do que nos rodeia – e o que os rodeia e impulsiona é tanto o povo que mora ao lado quanto (e na minha opinião, principalmente) o medo herdado e cultivado como forma de vingar o passado, como forma de ser fiel à memória das vítimas de outros conflitos, quando não havia um Estado de Israel para protegê-los.

O raciocínio de Valter, o poeta português, pode ser aplicado a várias situações que teimosamente se recusam a mudar, a vários comportamentos que não levam a nada e tampouco se enfraquecem. Porque já somos o que somos, porque o que nos rodeia entrou em nós. Perceber a espiral viciosa nos ajuda a ser menos duros no julgamento dos caminhos seguidos pelos outros. Quem sabe mais ousados na hora de escolher nossos próprios caminhos.

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