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Quando tinha 50 anos, Frank Sinatra gravou um LP chamado September of My Years (algo como Outono da Minha Vida). A música mais conhecida do álbum é "Qual é minha idade?". Tem outra que se chama "A última noite em que fomos jovem" e ainda "Não espere tanto tempo". Todas as canções sugerem que Sinatra estava assustado com o passar do tempo. Ou então, estava digerindo a idéia de que, aos 50 anos, para os parâmetros dos anos 1960, estava entrando na terceira idade. A julgar pelas letras que cantava, ele se via como uma pessoa ainda jovem e entendia que os anos o fizeram mais sábio ("sou velho o suficiente para saber a diferença entre uma paixonite e o amor verdadeiro") e que as rugas são as marcas de uma vida bem vivida ("essas linhas embaixo dos meus olhos são lembranças de milhares de noites de risada e algumas lágrimas ocasionais").

Sinatra devia estar confuso, como todos nós ficamos mais cedo ou mais tarde, com a idade registrada em nossos documentos. A pessoa lê um número, invoca mentalmente uma imagem correspondente a alguém daquela idade e se pergunta: eu sou assim? Outro dia, folheando uma revista, vi um ensaio fotográfico com pessoas que falavam de sua própria infância e da infância de seus filhos. Um homem grisalho e rechonchudo posava com os campos verdejantes do País de Gales ao fundo. A legenda dizia: "Quando eu nasci, em 1966, em meu país era costume vestir meninos e meninas com roupas iguais". Fiquei paralisada — será que li direito? O "velhinho" da foto tem a mesma idade que eu? Para piorar, o camarada é do tempo em que menininhos usavam vestidos e cabelos cacheados. Mas isso não foi na era vitoriana?

A não ser que o galês tenha mentido a idade, ele tem 42 anos, como eu, e uma aparência muito perturbadora (para mim). Como diria Frank Sinatra, sou velha o suficiente para saber que nossa auto-imagem é o resultado de uma combinação de emoções que não identificamos com clareza, temperadas com os comentários que as pessoas à nossa volta fazem sobre nós. Para alguns, pesam mais os comentários. Para outros, a auto-imagem é uma expressão total do que vai por dentro. Ou seja, a auto-imagem pode ser tudo, menos realista. Nem uma fotografia nos capacita a fazer uma avaliação isenta da nossa aparência. Quando o assunto somos nós mesmos, somos incapazes de isenção.

Para tornar tudo mais confuso, há hoje uma liberdade que destrói os estereótipos de cada faixa etária que prevaleceram até, digamos, aquele setembro de 1965 que tanto maltratou Frank Sinatra. A geração que personificou todas as qualidades e defeitos que se vincula à juventude — os jovens dos anos 1960 — está na terceira idade, o que inclui amalucados, como o roqueiro Mick Jagger, e contestadores, como o político Fernando Gabeira. Não é preciso muito esforço para perceber que os dois continuam amalucados e contestadores, inclusive na aparência. As rugas não mudaram a essência da personalidade deles. Jagger e Gabeira, quando vêem suas fotos nos jornais, devem levar o mesmo susto que eu levei: "Nossa, esse sou eu?".

Há um descasamento crônico entre o tempo do nosso corpo e o tempo da nossa cabeça, entre o que somos e o que queremos ser, entre o que somos e o que os outros vêem em nós. Um equilíbrio mínimo é necessário para não enlouquecermos. Mínimo, eu disse. Mais que mínimo, acho que é querer demais.

Marleth Silva é jornalista.

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