• Carregando...
 |
| Foto:

Há contos de Natal literários e contos de Natal reais. Os literários surgiram quando Charles Dickens, andando por uma rua escura de Manchester, deprimido pelas suas dificuldades pessoais e pela pobreza que via em toda parte na Inglaterra do século 19, teve a ideia de escrever sobre um avarento que é visitado por três espíritos na noite de 24 de dezembro: o Espírito do Natal Passado, o do Natal Presente e o do Natal Futuro. Há sinais de que Dickens, naquele momento, conseguiu perceber a grandeza do fenômeno que estava para deslanchar. Dias depois, em carta ao seu advogado, escreveu que previa "o imenso efeito que ela [a história] poderia causar" e que certamente inspiraria outras obras sobre o mesmo tema. É impressionante, caro leitor: Dickens tinha consciência de que estava inventando uma espécie de subgênero da literatura, o conto de Natal. Isso está relatado no livro O Homem que Inventou o Natal, obra do americano Les Standiford editada no Brasil pela paranaense Nossa Cultura em tradução de Christian Schwartz e Liliana Negrello. A tese de Standiford é que Dickens, com seu conto, oficializou, por assim dizer, a existência de um Espírito de Natal, capaz de tocar o coração das pessoas e de fazê-las mais generosas com quem está sob sua área de influência. Como ele previa, outros escritores, depois dele, fizeram suas versões de contos de Natal. Entre eles os brasileiros Mario de Andrade, Rubem Braga e Dalton Trevisan. Os três não falam em redenção inspirada pelo sobrenatural; usam o Natal como pano de fundo para personagens que convivem com a solidão ou com o abandono. É mais um casamento lógico: assim como o Natal tem o poder de tocar algumas pessoas e despertá-las para o contentamento que a generosidade traz, também torna mais aguda a dor dos solitários. Ou seja, faz sentido que sirva de inspiração tanto para Dickens quanto para Trevisan.

Anos atrás, li um verdadeiro conto de Natal publicado aqui na Gazeta pela repórter Érica Bus­­nardo. Era um conto de Natal real e não ficcional. Ela acompanhou e relatou a entrega de presentes para um menino pobre que vivia na periferia de Ponta Grossa. O menino escreveu uma carta ao Papai Noel e jogou em uma caixa dos Correios. Pediu um caminhão de bombeiros. Não ganhou nada. No ano seguinte, foi desestimulado pelo irmão mais velho, convencido de que o pequeno iria se frustrar de novo. Mas insistiu e pediu, de novo, um caminhão de bombeiros. A segunda carta caiu nas mãos de uma funcionária dos Correios casada com um bombeiro, que decidiu levar o assunto até o marido. O marido, por sua vez, levou o assunto até os colegas. E a corporação inteira levou o assunto do menino pobre a sério. Compraram o caminhãozinho e presentes para a toda a família, puseram tudo em cima de um veículo oficial, vermelho e barulhento como devem ser os caminhões de bombeiros, e se dirigiram à casa do menino. Chegaram lá tocando sirenes e chamando a atenção de toda a vizinhança. Quando o menino recebeu o caminhãozinho das mãos do bombeiro fardado, virou-se para o irmão mais velho – que, suponho, estava de queixo caído – e repetiu sem parar: "Eu não disse? Eu não disse?"

Estão aí as duas categorias de contos de Natal: os literários e os reais. Gosto de ambos.

Bom Natal para todos vocês!

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]