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| Foto: Arquivo / Gazeta do Povo

Minha amiga Liesl Louw-Vaudran é uma jornalista sul-africana que se especializou em cobrir direitos humanos. Uma manhã dessas, ao sair de casa, não resistiu à beleza dos jacarandás floridos que enfeitam o bairro onde mora em Johannesburgo. Fez fotos com o celular e postou no Facebook. São três imagens das árvores altas, com copas largas e muitas flores azuis, quase lilás. Em volta delas, a calçada forrada de flores.

Entre os amigos que comentaram as fotos de Liesl havia "estrangeiros", como eu, que elogiaram a beleza das árvores, e sul-africanos, que faziam ressalvas. Liam Visser, que mora na Cidade do Cabo, escreveu sobre os jacarandás: "Não são nativos e pegam toda a água, mas ainda assim são bonitos". Liesl apresentou as árvores floridas dizendo acreditar que eram brasileiras. Fiquei curiosa e fui procurar informações nos jornais da África do Sul. Encontrei uma história e tanto.

Os jacarandás são nativos da América Central e do Sul. Mudas foram levadas do Brasil, da Argentina e do Peru há mais de 100 anos para enfeitar ruas e jardins na África do Sul, Austrália e Costa Oeste dos Estados Unidos. Só em Pretória, calcula-se que haja milhares deles nas vias públicas. O jacarandá é tão onipresente que, por lá, tudo leva o nome da árvore, de rádios e lojas a restaurantes e escolas.

Em outubro, mês da floração, 80% das vagas de hotéis em Pretória são ocupadas por japoneses que querem ver e fotografar as ruas floridas. É o turismo de observação de floração de árvores, popular entre os japoneses. Eles têm suas sakuras, as cerejeiras de flores rosa pálido que florescem de fim de março a maio, e também admiram o azul-púrpura do jacarandá-mimoso.

Ao contrário do que acredita a Liesl, só as três primeiras mudas eram brasileiras. Foram levadas para a África do Sul por um certo Celliers, que arranjou-as no Rio de Janeiro em 1888 e plantou-as no quintal de sua casa, onde permanecem, com direito a plaquinhas comemorativas. As demais foram importadas da Argentina nos anos seguintes. Era uma época em que os botânicos se orgulhavam de espalhar espécies exóticas pelo mundo. Bem diferente do que ocorre hoje.

Agora se sabe que a espécie exótica vai romper um equilíbrio ambiental delicado. A árvore exótica é a peça estranha que a criança teima em encaixar no quebra-cabeça.

Por aqui também temos nossos dias de calçadas azuis graças aos jacarandás, que estão espalhados pelo Brasil em várias espécies, segundo informa a Embrapa, a quem recorro sempre que o assunto são as árvores. No Sul e Sudeste, a espécie nativa é a Daubergia brasiliensis. Subindo para o Nordeste, se encontra muito o jacarandá-da-Bahia, recomendado pela Embrapa por se adaptar ao manejo sustentável e produzir madeira de qualidade.

Na África do Sul não haverá manejo sustentável para o jacarandá. É que, na disputa com as plantas nativas pela água do subsolo, só quem ganha é o jacarandá. Onde ele está, só dá ele (você já ouviu falar a mesma coisa sobre os eucaliptos plantados em solo brasileiro, lembra?). Mas os jacarandás sul-africanos estão contaminados por um fungo que se aloja nas raízes machucadas durante escavações para instalação de cabos subterrâneos – o ser humano criou e o ser humano vai matar o jacarandá africano. Os sul-africanos entenderam que é melhor deixá-los morrer e se tornarem uma lembrança colorida. Ninguém vai arrancá-los das ruas. Tarde demais para isso. Já alegraram muitas manhãs de sul-africanos laboriosos, já estão nas fotos de tantos turistas de gostos delicados. Como diria o Manoel de Barros, já pintaram de azul as manhãs da África.

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