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Cena 1 – Ócio

Uma tarde, provavelmente em maio. Um dia qualquer da semana. O clima estava agradável. O parque, quase vazio. Ele é moderno, com jardinetes divididos por cercas-vivas. Cada jardinete com muitas variedades de flores, todas de uma só cor. O jardim branco, o jardim amarelo, o jardim roxo, o jardim vermelho. Le Parc André Citroën. Depois de andar pra cá e pra lá – flores, cimento, fontes –, encontrei um gramado. Deitei. Os olhos se fechando, senti que ia adormecer. Que extravagância é dormir no gramado de um parque em pleno dia de semana! Acordei minutos depois. De imediato, a consciência: aquela soneca era um luxo que jamais esqueceria. Levantei e fui embora. Pisava em nuvens.

Cena 2 – Mistério

Em um cantinho da página do jornal, a lista das feiras de rua. Uma delas, em um lugar desconhecido, vendia livros usados. Recortei o jornal e, manhã de sábado, fui para a feira. Era modesta, tranquila. Folheei um livro de Jacques Prévert. Li alguns poemas. Se comprei o livro, o perdi. Não lembro dele. Mas, quando lembro daquela manhã, lembro de Prévert. A memória faz dessas coisas, conexões inexplicáveis. Um lugar e um cheiro, um cheiro e uma música. A lembrança de uma feira, um cenário de barraquinhas e mesas dobráveis, se associou para sempre com um nome: Prévert. Muitos anos depois, comprei uma edição brasileira de Dia de Folga, e sempre que a folheio tento voltar à feira. Mas não funciona. A feira me leva ao poeta, mas o poeta não me leva à feira.

Cena 3 – Felicidade

Jantamos na casa do amigo uruguaio. Alguém cozinhou, bebemos vinho. Alegres por estar ali. Sabíamos que os dias eram especiais, não nos preocupávamos com emprego, com a casa própria, com dinheiro. Estávamos em uma situação temporária e por isso o pouco que tínhamos era suficiente: bolsa de estudos, o quarto na Maison du Brésil, os vinhos baratos, o transporte coletivo. Logo, cada um de nós voltaria para seu país e então as preocupações recomeçariam. Mas ali, não. Viver cada dia. Depois do jantar, no caminho até o metrô, havia um carrossel. Subimos nos cavalinhos, adultos brincando como crianças, rindo bobamente. A Torre Eiffel sobre nossas cabeças. Éramos felizes e sabíamos.

Cena 4 – Guerras

Havia na Rue de Fleurus uma sala onde voluntários esperavam pelos estrangeiros para conversar. O lugar era mantido por um padre. Mesas redondas e cadeiras. Só. O estrangeiro entrava, era convidado a se sentar e a conversar. Assim podíamos aumentar nossa fluência no idioma. Uma tarde, o voluntário nos dizia: “Fui prisioneiro durante a guerra”. “Qual guerra?”, perguntou a mocinha palestina. “A Segunda Guerra Mundial”, respondeu ele. E gargalhou. “Não sou tão velho para ter vivido a Primeira.” Rimos todos e a mocinha palestina, cabelos curtos e grandes olhos escuros, ficou constrangida. Só depois compreendi. Para ele havia as duas guerras europeias. Para ela era preciso explicar: qual, entre as muitas que ela conhecia? Estávamos ali, nos esforçando para falar a mesma língua, e esquecíamos que o mundo pode ser bem diferente para cada um de nós.

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