Quando um brasileiro tropeça durante uma caminhada, a culpa é da calçada na maioria das vezes. Todos os amigos dizem isso para nos consolar. Não é desculpa esfarrapada. As calçadas merecem levar a culpa. São irregulares, com pedras soltas ou, quando de cimento, trechos quebrados.
Talvez o próprio desastrado não tenha tanta certeza de que foi uma falha no pavimento que o fez perder o chão, mas prefere esta explicação porque todas as demais causam algum grau de vergonha. Dia desses, tropecei, tropiquei e caí em plena Praça Tiradentes. Não tive vergonha, tive dor. Ainda tenho. Me dói o joelho.
Meu tombo foi daqueles que enchem os olhos de quem está assistindo. Uma beleza de queda. Não tenho a menor ideia do que aconteceu. Não, eu não estava olhando para o celular. Tropecei e fui quicando no chão, como uma pedra no lago. Fui trupicando, como diz a moda de viola. Tive a sensação de que caí por intermináveis minutos. Quando finalmente consegui parar, já havia duas senhoras a postos, ao meu lado, oferecendo ajuda. O livro que eu levava estava um metro à minha frente. O vestido subiu escandalosamente.
Como é possível que uma cidade próspera como Curitiba chegue ao ano de 2015 sem ter calçamento decente?
Dizem que todo mundo já tropeçou e caiu na rua. Já vi pessoas no chão, sendo ajudadas, mas tombo mesmo só assisti a um e porque o rapaz havia me chamado a atenção segundos antes. Magro e alto, vestindo um terno levemente acinturado, calça ajustada ao corpo e aqueles sapatos de bico quadrado como uma sapatilha de ponta, ele se preparava para atravessar a rua com passos longos e leves, como Nureyev atravessava o palco para encontrar Margot Fonteyn. Pobrezinho... Sorria! Olhei para onde ele mirava e lá estava ela, não a Margot Fonteyn, mas uma morena de uns dois metros de altura. Talvez distraído pelos cabelos que a moça jogava de um lado para o outro, o rapaz tropeçou antes que o pé alcançasse o asfalto. Sua expressão mudou, ele deu um grande passo em falso e seguiu em frente, tentando se recompor. Esqueça o Nureyev. Nesse momento ele se parecia com um ginasta que, depois de um mortal sobre o cavalo, cai desajeitadamente e precisa se recompor logo para não perder mais pontos. Pois o curitibano boicotado pela calçada não perdeu a pose, não sujou o terno, não tirou um fio do topete de moicano do lugar. Mas, ao se juntar à morenaça, notei que mancava. Seriam os ligamentos?
Nureyev, se fosse brasileiro, teria evitado andar nas ruas, que de bobo o russo não tinha nada. Observei a calçada da Praça Tiradentes, no trecho onde caí. Tomba para a direita, para a esquerda, para o centro. O corpo é obrigado a buscar um novo equilíbrio a cada passo. O que sempre me faz questionar como é possível que uma cidade próspera como Curitiba chegue ao ano de 2015 sem ter calçamento decente. A humanidade descobriu o segredo dos átomos, fotografou Plutão e conectou todo mundo em uma só rede, mas a cidade não consegue tornar suas calçadas planas? Convenhamos, senhoras e senhores, isso diz muito sobre nós.
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