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A Marisa, que é uma gaúcha de olhos verdes, diz que tem samba no pé, mas que esconde isso porque nós, seus colegas curitibanos, temos preconceito contra quem gosta de carnaval. Não pense você, leitor, que minha colega samba naquele estilo frenético de Globeleza, que mal assenta os pés no chão. Como a Marisa só cantarola marcha-rancho, que é uma música de carnaval arrastada, com arranjos elaborados, o bailar dela deve ser bem delicado. Marcha-rancho, para quem não se localiza, é o ritmo de As Pastorinhas, que o Braguinha gravou e que diz: "Linda pastora / morena da cor de Madalena / tu não tens pena / de mim que vivo tonto com o teu olhar". Pois não é que mesmo uma sambista tão sofisticada quanto esta gaúcha não encontra lugar no carnaval curitibano?

No carnaval de Curitiba é fácil você ficar sozinho, sem encontrar sua turma. Simplesmente porque não há tantas turmas carnavalescas nesta cidade. Na época em que os bailes lotavam os salões devia ser mais fácil. O clube era um espaço conhecido, familiar, onde se encontrava amigos. Mas os clubes estão esvaziados, restam poucos na capital. Junto com os bailes acabou nossa chance de dançar ao ritmo da marcha-rancho e de gostar de carnaval sem parecer bobo.

Eu gosto de carnaval – confesso –, mas não sou foliã. Pesa contra mim o fato de ter nascido no Paraná, vivido a maior parte da vida em Curitiba e em cidades onde pouco se via de carnaval. Em resumo, não tenho turma, não tenho bloco. Fico observando de longe a naturalidade com que as pessoas se divertem em cidades carnavalescas, como o Rio e Recife. Esses lugares têm carnaval para todos os gostos, inclusive para o pessoal da marcha-rancho.

Uma vez fui a um baile de carnaval em que só tocava marcha-rancho. Foi em um asilo de idosos, em Parati.

Eu caminhava pelas ruas calçadas de pedra da cidade fluminense, depois de ver desfilar um bloco tradicional, quando passei por um casarão de grandes janelas abertas de onde se ouvia "Tanto riso, oh quanta alegria / mais de mil palhaços no salão / Arlequim está chorando pelo amor da Colombina / no meio da multidão". Êta música bonita. Impossível não olhar lá dentro para ver o que acontecia no casarão. No salão de piso de tábuas largas, uns 20 idosos faziam aquela dança circular típica de bailes de carnaval, levados pela voz encorpada de Zé Kéti. Um jovem os acompanhava, um loiro musculoso, de cabelos pelos ombros, que eu já tinha visto circulando pela cidade e que, junto com meus amigos, apelidei de He-Man. Era turista e aparentemente havia sido levado pela curiosidade para dentro do baile da terceira idade. Mas agora queria sair, a julgar pela insistência com que nos chamou, a nós os curiosos que olhavam da janela. Depois de hesitar um pouco, aceitamos o convite. Ao ver entrar uma nova leva de curiosos, He-Man entregou sua parceira de dança para outros e se mandou.

Dei umas três voltas no salão de mãos dadas com um senhor magrinho, que dançava como um bailarino. Seus passos eram graciosos e elaborados, a essa altura já ao ritmo de outra marcha-rancho, Bandeira Branca. Dalva de Oliveira pedia paz e nós ali, tão delicados quanto os nobres que bailavam nos salões do século 18. Carnaval não é só bum-bum-paticumbum-prugurundum, caro leitor.

Por falar em idosos, a Marisa é uma fã confessa do Rancho das Flores, o bloco de veteranos que abre o desfile de Curitiba. Rancho das Flores é também o nome de uma canção do Vinicius de Moraes, que, segundo o Tárik de Souza, era fanático pelo ritmo e pelo estilo das marchas-rancho. Ele compôs esta canção, veja só, a partir de Jesus Alegria dos Homens, de Bach. "Olhem bem para a rosa / Não há mais formosa / É flor dos amantes / é rosa-mulher". Ouça você, leitor, e tire suas conclusões. Eu acho que o samba ambicioso do Vinicius não deu certo. É parado demais até para o carnaval de Curitiba.

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