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Clarice Lispector conta, no livro A Via Crucis do Corpo, que, ao ser convidada por um editor para escrever alguns contos de teor erótico, titubeou. Sentia-se desconfortável com a possibilidade de os filhos lerem textos seus que falavam de sexo. Os filhos, que são resultado da vida sexual dos pais, detestam ter um único pensamento em que os genitores e a luxúria se acotovelam. Especialmente a mãe. Clarice sabia disso, daí o desconforto. Foi prática: chamou um dos rapazes (o outro estava no exterior) e deu-lhe um texto para ler. Ele aprovou, deu carta branca e ela seguiu em frente. Os contos estão aí para quem quiser conferir. São cândidos, até. Falam basicamente das "cruéis exigências do corpo" (expressão cunhada por ela), daqueles instantes em que o desejo aflora, sem nunca descrever os momentos em que os personagens saciam as tais exigências.

Sexo é um tema superestimado pelos que o temem. As pessoas que veem no assunto um potencial de perigo tendem a focar nas aberrações e, pior, a ver cada sujeito que circula pelas calçadas da cidade como um libertino prestes a perder o controle. Como se ao olhar, ouvir ou sentir algo excitante o sujeito saísse fazendo loucuras. Sim, tem alguns que reagem assim – são popularmente chamados de tarados. Ah, sim, todo mundo faz algum arremedo de loucura em algum momento da vida. Como queiram.

Fato é que existe um oceano separando a representação do sexo, esta que choca e provoca, e o sexo em si, o que faz parte da vida da maioria das pessoas. Livros e filmes que se baseiam nos excessos geralmente estão contando uma história em que a sexualidade é usada da mesma forma que se usa a violência ou as drogas ou os carros velozes. Utilizam o excesso para causar certa fadiga de repetição – é uma dessensibilização, não uma excitação.

Sexo é um tema subestimado pelos que não o temem. Tem uma força poderosa, que é a da intimidade. Pelas portas da intimidade a fragilidade de cada um se expõe. Sentimentos se confundem. Sentimentos se revelam. Na intimidade, aberrações não são aberrações e as "cruéis exigências do corpo" colocam a sensação de estar vivo em outro patamar. Um patamar mais alto que provoca, repetindo Clarice Lispector, "a vertigem de viver". A personagem de Clarice que sofria (sofria?) da vertigem de viver é uma octogenária que chega à conclusão de que só a morte a livrará dos desejos.

Nas artes, o retrato mais sutil do desejo aparece na poesia em que a linguagem lírica, muitas vezes figurada, mais insinua do que revela. Este caminho funciona bem, seja em poemas ou na música popular. Um exemplo? Lá vai um muito brando, mas duradouro, o Cântico dos Cânticos, do Antigo Testamento:

"Em meu leito, durante a noite,/ busquei o amor de minha alma:/ procurei, mas não o encontrei./ Hei de levantar-me e percorrer a cidade,/ as ruas e praças,/ procurando o amor de minha alma:/ Procurei, mas não o encontrei."

E fico por aqui.

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