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Há quem duvide da possibilidade de um homem e uma mulher serem amigos de verdade. Especialmente amigos íntimos. Supõe-se que um dos dois será sempre malicioso, terá segundas intenções. Suspeita-se que o corpo será mais forte e provocará confusões, que um dos dois se apaixonará e que luxúria e paixão trarão o fim da amizade.

É fato que tudo isso pode acontecer. Mas também é fato que as pessoas podem lidar com seus impulsos, identificá-los e controlá-los. E seguir em frente. Podem deixar que o apelo de um contato físico venha e vá embora, que a paixão não se concretize se for provocar apenas dor e confusão, se for impossível. Melhor lidar com alguns episódios de frustração do que eliminar 50% das pessoas com quem você cruza do seu rol de amizades.

A incapacidade de manter a amizade entre homem e mulher acontece com quem vê no outro não uma pessoa, mas a possibilidade de um encontro sexual.

João Paulo II era amigo de Anna Teresa Tymieniecka. Em algumas cartas dele para ela, reveladas recentemente pela BBC, se insinuam as confusões possíveis nesse tipo de relacionamento. Também se entrevê o empenho dele para manter a amizade. Dizem os que leram as cartas que há nelas sinais evidentes de ternura, mas não há sinais de que os dois tenham – para falar em termos mundanos – tido um caso.

A incapacidade de manter a amizade entre homem e mulher acontece com quem vê no outro não uma pessoa, mas a possibilidade de um encontro sexual

Os dois se conheceram na maturidade, ela com 50 anos e ele com 53. Ela, filósofa polonesa morando nos Estados Unidos. Ele, arcebispo de Cracóvia. Mantiveram uma troca intelectual permanente, que continuou durante o papado dele. Parece que Teresa se apaixonou. Se for verdade, deve ter sofrido. Ela era casada e ele, religioso. Ambos sobreviveram aos próprios sentimentos e devem ter feito deles o melhor que puderam. Há uma foto tocante dos dois nos últimos anos de vida dele. O papa, já transfigurado pelos problemas de saúde, faz um carinho no rosto da amiga, uma sorridente senhorinha. Qualquer pessoa que tenha afeto por um amigo, do mesmo sexo ou não, reconhece o sentimento que há naquele gesto.

João Paulo e Anna Teresa discutiam filosofia sob uma ótica católica. Repetiam outro João e outra Teresa. No século 16, João da Cruz e Teresa de Ávila trabalharam juntos e trocaram correspondência, ambos empenhados em reformar as ordens religiosas a que pertenciam. Não era só isso. O encontro entre Teresa e João foi excepcional porque ambos tinham inteligência e inquietação espiritual. Os dois investigavam a espiritualidade e registravam seus pensamentos em textos cuja qualidade sobreviveu aos séculos. Aquele João e aquela Teresa se ajudaram mutuamente e foram amigos. Os dois são doutores da Igreja, o que significa que deixaram uma contribuição teológica importante.

Seria interessante saber o que o próprio João Paulo II pensava sobre a amizade entre homens e mulheres. Anna Teresa não foi a única mulher com quem ele trocou correspondência durante muitos anos. Talvez haja algum comentário sobre o tema nas cartas, que provavelmente serão publicadas um dia. Por enquanto, sabemos o que o atual papa pensa. Ele disse: “A amizade com uma mulher não é um pecado, é uma amizade. Um homem que não sabe ter uma boa amizade com uma mulher é alguém a quem falta algo”. Simples assim. Relevante assim.

O mesmo se aplica à mulher que não sabe ter uma boa amizade com um homem.

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