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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Se você encontrar amigos neste fim de semana e muitos comentarem o resgate dos mineiros soterrados no deserto de Atacama, você vai achar normal. Mas se você pensar em um assunto muito particular e, amanhã ou depois, cruzar com alguém que mencione o mesmo tema, você dirá que é uma coincidência e, pelo menos por alguns minutos, se sentirá diante de um pe­­queno mistério.

Não pode ser só o acaso que arma essas situações. Ou pode? Que não há explicação para todas as coincidências, não há mesmo. Sentei em frente do computador para escrever este texto com um assunto em mente e algumas anotações e reflexões coletadas ao longo da semana. Antes de começar, abri a Gazeta de sexta-feira. De cara, encontrei o texto do meu colega José Carlos Fernandes, que ocupava este espaço, falando exatamente do que eu pretendia falar: letras de música que guardamos para sempre na memória. Além da vontade de esganar o José Carlos, fui tomada pelo espanto: entre tantas coisas que há para se comentar, como foi que nós dois pensamos no mesmo assunto?

Guardadas minhas anotações sobre letras da MPB para outra ocasião, me concentro nas coincidências, essas inofensivas charadas que nos intrigam e que nunca conseguimos desvendar. Houve quem tentasse. A mentalidade oriental é aberta à ideia de interligação entre todos os seres, uma interligação que seria mais forte que a suposta linearidade do tempo. No Ocidente, foi o psiquiatra suíço Carl Jung que colocou o assunto em discussão ao propor que há algo mais em alguns episódios que classificamos de coincidências. No começo do século 20, ele falou em sincronicidade e em inconsciente coletivo e relatou casos que viveu e que não conseguiu explicar. Como quando uma paciente, no divã, lhe contava sobre um sonho com um escaravelho, e ele notou um inseto que tentava entrar pela janela. Jung se levantou, levantou o vidro e viu que o inseto era um besouro, que se assemelha ao escaravelho. O psiquiatra ficou boquiaberto com aquilo que parecia ser a materialização de uma experiência abstrata, o sonho da paciente.

Não conheço o suficiente o trabalho de Jung nem as filosofias orientais para acompanhar os raciocínios que cons­­troem em torno das coincidências. Mas estou entre os que são tentados a encontrar nas coincidências uma mensagem oculta: se eu penso em um autor e, em seguida, al­­guém me presenteia com um livro dele, quero acreditar que há algo aí com uma relevância especial que eu tenho de desvendar. A tal relevância talvez nunca se revele, mas a sensação de espanto e deslumbramento sempre se repete diante de uma coincidência. Ela sempre parece mágica ou, no mínimo, divertida.

Como tudo mais, a ciência tenta explicar as coincidências e talvez algum dia chegue a alguma conclusão, atribuindo esses fatos à química cerebral, à ação das moléculas de grafeno na troposfera ou coisa que o valha. Até lá, estamos liberados para desfrutar das coincidências como pequenas provocações para pensarmos na vida de um jeito diferente. Como janelinhas para dentro de nós mesmos, que seria um desperdício fechar sem, ao menos, dar uma es­­­piadinha.

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