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Freqüento lugares em que nos intoxicamos com cafeína e política. Já fui íntimo de bares onde o cardápio era álcool e política. Quando os homens se reúnem, não há outros assuntos. Por isso ando meio enojado, procurando companhias femininas, com as quais as conversas são mais amenas e posso me esquecer um pouco dos escândalos.

O Brasil piorou, dizem, mas eu, que nunca achei o Brasil lá essas coisas, acredito que nós não pioramos do ponto de vista ético, apenas no quesito desempenho. Nossa atual elite política, pouco afeita ao serviço, treinada que foi em sindicatos e noitadas de álcool e tabaco, não pôde fazer bem feito o trabalho sujo próprio de quem está no puder [sic].

E é essa a grande crítica que faço aos asseclas do atual mandatário – não nos pouparam de saber como a política funciona. Eu preferia ignorar os mecanismos, agora escancarados pela falta de habilidade prática desses incorrigíveis (e bota incorrigíveis nisso) infratores. Assusta-me a incapacidade do atual governo em controlar escândalos.

Os partidos que já estiveram no poder conseguiram um período de mediana tranqüilidade. Sobre corrupção havia apenas boatos cabeludos. Não existiam provas e, confesso, fui até um tiquinho feliz no passado. Dava para me sentir parte dessa estranha democracia.

Também sou incorrigível e acabo sempre nos balcões do centro. Em tardes regadas à cafeína, todos nos embriagamos com a política e falamos mal do governo.

O Professor, em seu terninho desbotado e velhos sapatos com meia-solas gastas, passa pelo café e diz que está na sua ronda.

– Que ronda? – pergunto.

– Pelos bares e cafés da cidade.

Coisa de aposentado, penso, pois só mesmo um homem sem ter o que fazer perde tempo visitando as centenas de estabelecimentos abertos para que nossa indignação possa extravasar-se.

– Agora está fazendo jogo do bicho? – provoco.

– Estou numa pesquisa independente – ele diz.

Eu me preparo para as conclusões inusitadas do Professor, que é uma mente que funciona em outra freqüência. E dou a oportunidade para ele falar. Todos gostam de ouvi-lo.

– Que pesquisa é essa, Mestre?

– Saber quem já foi entrevistado pelas pesquisas que divulgam que o Presidente está na frente.

– Mas ele está mesmo – mantenho o tom provocativo.

– Não encontrei nenhum entrevistado ainda. Todos falam mal do candidato. Ninguém vota nele. E o homem está ganhando.

– As pesquisas são mentirosas então? A sua que é a certa?

– As duas são verdadeiras.

O Professor gosta das contradições. Eu me animo com suas palavras.

– Ninguém vota no Lula e mesmo assim ele está na frente.

– É isso.

Peço mais um café afro-descendente. Fui informado que se eu solicitar café preto posso ser processado por racismo. Evito o café com leite porque a miscigenação agora é vista como algo que compromete a pureza da raça negra. Tento ser um cidadão politicamente correto.

O Professor já domina a platéia, que sempre se forma em torno dele.

– Conta aí essa história toda, Professor – alguém exige.

– Os institutos de pesquisa sabem que as pessoas que falam mal do Presidente, na hora agá, votam nele. Então já dão um resultado meio previsível. Nem precisam entrevistar ninguém.

– Não acredito – alguém grita.

– Por exemplo: quem aqui vota no Lula?

– Qualé, Professor. Somos alfabetizados – fala um advogado que defende os corruptos locais.

– É isso. Publicamente, ninguém vota no homem. Mas, à sombra das urnas, muitos irão votar.

– O colégio eleitoral dele é a periferia – decreta alguém.

Lembro-me que o jardineiro que me atende disse que na vila poucos estão com o Lula.

– Não a periferia em peso – e conto o caso de meu jardineiro, e também o de minha empregada e o do catador de papel que passa toda semana em casa.

Outra pessoa então apresenta a tese:

– Os responsáveis pela dianteira na pesquisa são os nordestinos.

– Alto lá, taí um preconceito dos grossos – grita um médico, conhecido na cidade por Jabá.

– Isso confirma minha tese: Lula vai ser eleito com nosso voto. E o motivo é simples. Não queremos assumir publicamente que vamos votar no voyeur de tantos escândalos, mas não admitimos apoiar quem está perdendo.

– Então tudo é uma jogada de marketing? Leva quem sai na frente nas pesquisas? – pergunto num tom indignado.

Mas o Professor não responde, está contando as moedas para pagar o cafezinho. Depois ele se despede:

– Até a vitória, companheiros! – e sai com um ar sardônico.

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