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Das perguntas de meu filho que não sei responder, uma é recorrente.

– Por que tem casas lá longe? – ele questiona isso quando está no banco de trás do carro, em sua cadeirinha de pequeno déspota, olhando a paisagem.

Moro em uma cidade montanhosa, o que permite que se vejam casas distantes, campos agricultáveis, fábricas e a rodovia. Meu filho enxerga uma casa a quilômetros de onde estamos e não entende a razão de alguém morar lá.

Antônio está com três anos. Como todo tímido, é extremamente observador. Não deixa passar nada. E tem uma tendência para o mando.

Quando me pede algo e eu não faço imediatamente, reclama:

– Mãe, o pai não quer me obedecer.

Ele inverteu a situação, colocando-se no lugar do adulto que exige obediência das crianças.

Ao chegar do serviço ou de uma viagem, ele me olha com severidade e diz:

– Han! Estou muuuito chateado. Onde você esteve?

Eu me sinto o filho adolescente voltando para casa depois de uma fugidela e levando uma prensa do pai. Como convive a maior parte do tempo com adultos, ele incorpora as nossas falas e a nossa identidade.

Um outro fator para este comportamento é que aqui em casa damos atenção às crianças. Interrompo uma conversa seja com quem for para responder a uma pergunta, peço a opinião de meus filhos, vou ver o mosquito que ele matou numa expedição perigosa pela garagem. Talvez eu esteja fazendo tudo errado (aliás, eu sempre estou fazendo as coisas de uma maneira errônea) e o certo fosse eu colocar limites, como minha mulher sempre pede. Mas não consigo.

Fui criado numa família em que a criança não existia para o mundo adulto. Meu padrasto não respondia a nenhuma de nossas perguntas. À mesa, comíamos o que a mãe colocava no prato. Quando tínhamos visitas, a nossa refeição era servida antes ou em outro lugar. O mundo era dos adultos, e nós podíamos apenas espiá-lo.

Resultado: tenho uma sensibilidade extrema em relação a esta idade, quando os olhos infantis nos lançam as dúvidas que não conseguem ser articuladas pela linguagem.

Assim, é uma criança de três anos que manda em casa. Enquanto está acordado, ele decide o canal da televisão – e se irrita quando alguém muda a programação numa ausência temporária dele.

– Quem tirou os meus desenhos?

Voltamos correndo para os desenhos, e ficamos ali com ele, todos reunidos em torno da única televisão de casa (isso é um ponto de honra para nós: não ter outros aparelhos para não dispersar a família).

Quando a criança é o centro de uma casa, os nossos desejos de adulto ficam prejudicados, não fazemos aquilo que faríamos, a conversa não ocorre sobre os assuntos importantes do momento. Há uma subversão.

Andando pela cidade, sempre com o filho junto, pois não temos familiares com quem deixá-lo, o infante tenta entender o mundo. Se vê um mendigo ou um bêbado, identifica imediatamente o sofrimento do outro. E, com os olhos tristes, pergunta:

– Cadê o pai e a mãe dele?

Desde o início, falamos a verdade.

– Devem ter morrido.

Ou:

– São velhinhos demais e não podem cuidar do filho.

Antônio acompanha o outro com grande interesse. Para ele, é inadmissível que as pessoas fiquem sozinhas, nem mesmo os cachorros de rua deveriam viver assim:

– Onde está a mamãe dele? – repete a mesma pergunta quando vê um cão doente.

Se a deseducação que lhe dou faz com que tenha uma voz impertinente em muitos momentos, quero acreditar que também esteja formando o se caráter. Saber-se importante é o primeiro passo para reconhecer importância em toda forma de vida.

É isso que leio em algumas de suas atitudes afetivas. Do nada, em momentos mais improváveis, ele se aproxima e nos beija, dizendo uma de suas frases prediletas:

– Pai, eu te amo você.

A intensidade de seus sentimentos fica expressa na duplicação pronominal.

Não temos respostas a algumas perguntas que ele nos faz, mas aos poucos ele vai construindo percepções para seu próprio uso. Por isso talvez pergunte tanto, não para colher uma certeza qualquer, mas para se familiarizar com os vazios da condição humana.

Ele que vive tão próximo dos pais e da irmã, que manda e desmanda na pequena família, que determina a programação da tevê, que tem o direito de se intrometer nas conversas, de interrompê-las, enfim, ele que é o centro de nosso mundinho tenta entender como pode haver pessoas distantes.

Por isso pergunta:

– Por que tem casas lá longe?

Eu poderia responder:

– Elas não estão tão longe assim. Você pode ir até lá.

Mas acho que ainda é cedo para ele percorrer este caminho inevitável.

Então me calo.

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