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– Já é Natal – pensei.

É que esta semana apareceu aqui na rua onde moro o primeiro vendedor de bonecos de Papai Noel. Desses que estão em balanços, para se pendurarem em telhados e com outras utilidades que não posso imaginar. Tais espécimes tradicionais de decoração natalina ficam num carro que o vendedor estaciona sob uma árvore, usando-a eventualmente como show-room para chamar a atenção dos clientes.

Não tenho ido a lojas nem a shoppings nas últimas semanas, mas acredito que o movimento comercial para o Natal já está intenso. Muitos fazem planos (ou dívidas) para o seu 13º. salário.

Da minha parte, em termos materiais, não há nada que eu queira. Não tenho sonhos de consumo. E acho isso ruim. Seria muito saudável, por exemplo, desejar um carro qualquer da moda. Quando passo na frente das infindáveis lojas de veículos seminovos (um nome bonito para mascarar a venda de carros já bem rodados, mas com quilometragem rebaixada e retoques de lataria), fico imaginando quão passageira é a alegria de quem compra os lançamentos do mercado. Troco o carro quando ele começa a apresentar problemas, pois não tenho paciência de ir a oficinas. Lógico, meu carro velho, ressuscitado esteticamente, figurará em pátios de seminovos.

Mas eu estava falando de Papai Noel, e deste clima festivo que ele instaura. A partir de agora, temos a obrigação da Felicidade – assim mesmo, com maiúscula. Não pode ser a mesma felicidade discreta e intermitente que toda pessoa experimenta no dia a dia.

Súbito, você descobre um ninho de sabiás no seu quintal. Pronto. Sua vida ganha um momento de intensidade. Você observa os pais – não sei se os dois ou apenas um deles – trazendo minhocas e outras guloseimas para os filhotes. Eles crescem rapidamente, ganhando corpo e penas. E a alegria maior fica reservada para o momento em que, por acaso, você vê um dos filhotes caído na grama enquanto sua cachorra late e corre meio teatralmente atrás dele. Num esforço intenso de asas, fazendo muito barulho, ele consegue seu primeiro vôo, atingindo o topo do muro e, depois, o telhado da casa. Você e sua cachorra ficam ali, bestificados, contemplando a ousadia do filhote na façanha de alar-se.

Estas pequenas apoteoses são tudo. Nelas ancoramos a existência durante o ano todo. Mas agora isso não vale. Temos que ser caricaturescamente felizes. Devemos planejar viagens. Começar a pensar nos pratos que faremos na grande data. No supermercado, estacionamos diante das prateleiras de champanhe, frisante ou cava – dependendo da origem do espumante.

É um período muito falso.

– Lá vem o eterno descontente – diz minha filha quando faço as primeiras reclamações.

Em segredo, começo a organizar minhas coisas. Para isso serve o sentimento natalino instaurado.

É tempo, por exemplo, de acabar algumas leituras que se prolongaram demais. Todas as vezes que passo pelo vendedor ambulante de Papai Noel lembro de algo pendente.

Vou levar minha filha a algum compromisso e, diante do show-room improvisado, me recordo:

– Tenho que dar uma resposta a certo convite que recebi.

Na hora de ir ao trabalho, lá estão os bonecos.

– É preciso ordenar os arquivos de meu computador.

Saindo para minhas caminhadas vespertinas, passo do outro lado da calçada em que fica o vendedor. Não me seguro e digo em voz baixa:

– Malditos bonequinhos.

É que acabei de me lembrar que estou devendo a leitura do livro de um amigo.

Bem, sinto-me perseguido por eles. E esta perseguição aumentará com o passar das semanas. Chega um momento em que não vejo mais pessoas, apenas esses velhinhos de vermelho, com imensas barbas brancas. Tornamo-nos uma nação de 185 milhões de papais noéis. Um verdadeiro pesadelo.

Como meu filho é criança, terei que suportar a abordagem daqueles que se fantasiam como bons velhinhos para promover as lojas. Enquanto um deles assustar meu filho com suas roupas encarnadas, eu me penitenciarei por algo que ainda não fiz.

O efeito do Natal é angustiante. Representa o fim de um mundo. Desejo de leveza. Poder alar-se um pouco, não como o filhote, mas como alguém cansado que deixa para trás, junto com o peso dos dias vividos, os seus fardos.

Não quero comprar nada. E isso é uma pena. Comprar é a atividade mais mística do mundo criado pelo consumismo.

Comprar é uma forma de acreditar.

Acreditar no vendedor, no fabricante, no nosso desejo.

Para mim, toda compra é sempre um ato depressivo. Eu me pergunto: isso de fato é importante?

Mas não respondo; tenho uma tendência para a negatividade. E o Natal exige palavras positivas. Saudações convencionais. Sorrisos. Projetos. Reconciliação. Ou seja, uma vida de fantasias.

É isso. Entramos na temporada dos desenhos animados.

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