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Se, pela compulsão de escrever a amigos, Otto Lara Resende (1922-1992) se equipara a Mario de Andrade (1893-1945), o resultado de sua atividade como missivista – a crer nas cartas enviadas a seu interlocutor maior, Fernando Sabino (O Rio É tão Longe, Cia das Letras, 2011) – é bem inferior. Não há a discussão de questões relevantes da vida e da literatura, contentando-se Otto com gracinhas, levantamentos de um cotidiano anódino e principalmente com a cobrança de notícias de amigos.

As cartas de escritor são relevantes na medida em que ele discute a sua obra, revelando caminhos e opções estéticas, fixando conceitos basilares para a compreensão de seus livros. Não lemos apenas o homem nas cartas, mas principalmente o escritor por trás delas. Dono de uma obra menor, na quantidade e na qualidade, Otto Lara não tinha uma estatura literária que desse nervos às suas correspondências.

Este volume foi organizado quando o autor ainda estava vivo, mas ele fugia à publicação, denunciando uma consciência das limitações de suas atividades de epistológrafo. Em 28 de dezembro de 1967, recusa uma oferta editorial de Fernando Sabino, um dos donos da editora Sabiá: "a ideia de editar as cartas pra falar a verdade não me anima, quem sou eu, hein, Rosa (Guimarães)" (p.276) – notem a escrita em forma de citação, sobrenome e depois nome, que dá a dimensão literária a Guimarães Rosa. Otto não se sentia assim, e isso não era falsa modéstia, mas senso de proporção artística entre ele e suas admirações. Para haver cartas de um escritor, é preciso antes haver o escritor. E o escritor Otto Lara Resende não se sentia existir.

No geral, as cartas são cheias de palha seca, não há confissões bombásticas nem avaliações mais originais sobre pessoas, e pouco dizem a quem não está interessado na rotina do grupinho literário fechado que eles formavam, com Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino no núcleo duro, e mais alguns autores nos subúrbios. Em dois momentos, Otto está na Europa (Bruxelas e Lisboa), como adido cultural, e se restringe a falar de sua solidão e do contato protocolar com brasileiros – havia muitos escritores e jornalistas em postos no Itamaraty. Em outro, ele escreve do Rio de Janeiro a Sabino, que está em Londres, também como adido. Há ainda umas poucas cartas de juventude, quando morava em Belo Horizonte.

Duas são as grandes constantes nestas centenas de páginas. A primeira delas é a choraminga de Otto, que abre sempre as cartas reclamando que Fernando Sabino não responde, não escreve para ele, não atende aos seus pedidos, não toma as providências solicitadas. A amizade entre os dois é muito intensa, trata-se de algo amoroso, não no sentido sexual, ao ponto de Otto confessar, entre melancólico e humorístico: "hoje, Fernando, estou muito deprimido e muito viúvo de você" (p.225). É neste tom de amantes que ele exige mais atenção. Sabino funciona como resumo do Brasil e da literatura para ele, ocupando assim um lugar afetivo central. As cartas lembram a relação de um casal de namorados separados por algo superior a eles, ao ponto de uma conhecida perguntar: "Que é que há entre você e Fernando Sabino?" (p.367)

A outra constante talvez explique isso. Otto não se cansa de confessar que parou de escrever, que não quer mais se dedicar à ficção, que literatura mesmo é o que os amigos fazem, principalmente o que Fernando Sabino faz: "Romance, parei, não continuo, vou desistir" (p.143). Ao mesmo tempo, ele quer acontecer como escritor, continua escrevendo, preocupa-se com o destino de seus poucos textos, e pede insistentemente para que o amigo os publique.

Neste drama de se sentir com facilidade para escrever, era especialista em sacadas geniais, mas sem conseguir construir uma obra à altura da de seus amigos é que está o valor destas cartas. Talvez tenha tentado fazer delas a sua obra, mas faltava também para isso o escritor.

Serviço:O Rio É tão Longe: Cartas a Fernando Sabino, de Otto Lara Resende. Companhia das Letras, 416 págs. Correspondências.

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