• Carregando...
Paul Auster: linguagem madura é marca de Sunset Park | Divulgação
Paul Auster: linguagem madura é marca de Sunset Park| Foto: Divulgação

Livro

Sunset ParkPaul Auster. Tradução de Rubens Figueiredo. Companhia das Letras. 280 págs., R$ 45. Romance.

Raros são os livros que podem tornar uma cidade habitável literariamente, tal como acontece com Sunset Park, de Paul Auster (Companhia das Letras, 2012). Por isso o título não é acidental. O romancista quer nos colocar em uma geografia: a parte pobre do bairro do Brooklyn, periferia de uma Nova York atormentada pela crise. O país vive uma nova Depressão, sem a crença no futuro que sempre o moveu. Não é também acidental que, em Sunset Park, o imenso e arborizado cemitério Green-Wood, ao lado da casa invadida pelos personagens do livro, tenha sido o destino final de John Steinbeck – o romancista da Depressão dos anos 1930.

Cheio de referências à literatura, ao cinema e ao beisebol, este romance é uma obra-prima; os truques narrativos que marcaram o estilo do autor são deixados de lado e surge o grande humanista. Paul Auster cifra esta mudança na trajetória de uma das personagens, a desenhista que fazia esboços objetivos e convencionais e que passa, depois de uma crise, a tratar do corpo humano, das pessoas, envolvendo-se com elas.

Mesmo renunciando aos seus recursos mais recorrentes, como o jogo da história dentro da história, Paul Auster continua investindo na estrutura. O romance é a soma de pequenos relatos focados em personagens, e a voz narrativa é sempre uma falsa terceira pessoa, que adere ao ponto de vista da personagem em questão. Entre um bloco e outro transcorrem meses, acelerando o romance. Mas o centro de sua história não é mais a estrutura, a linguagem, e sim as pessoas.

O tema não poderia ser mais atual. Miles Heller, um homem de 30 anos, trabalha fazendo vistoria em casas abandonadas por quem que não pôde pagar as prestações. Ele visita esses lares destruídos, ainda repletos de objetos, de marcas da ira dos ex-moradores, tirando fotografias. Na sua definição, essas casas são estruturas órfãs.

O vazio das casas remete ao vazio deste personagem. Ele fugiu de um confronto com a realidade quando se envolveu acidentalmente na morte do filho de sua madrasta. Versão do desenraizado, ele não quer vínculos familiares. Mas se apaixona por uma menor (Pilar Sánchez), correndo o risco de ser preso por isso. Significativamente, Pilar é de uma família de cubanos. Miles se encontrava na Flórida, e tem que partir de novo. Sem dinheiro, volta para Nova York, a sua cidade natal. A nova fuga é um retorno, no qual ele terá que enfrentar os seus fantasmas.

Com a crise, um velho amigo seu invade uma casa em Sunset Park, onde ele mora com duas amigas. É para lá que Miles vai, para aguardar a maioridade da namorada. Enquanto espera, Miles se reencontra com o pai, um editor de literatura que está vendo a sua empresa entrar em decadência ("Publicar literatura num país onde as pessoas odeiam livros", p. 242), e sua mãe: uma atriz famosa. Ele tem que confessar o seu envolvimento na morte do irmão. Mas isto não basta.

Como se envolve agora num outro crime, quer fugir de novo. O pai exige que ele fique e se submeta à justiça, pois não pode continuar se esquivando. Deve amadurecer.

Inúmeras outras tensões e metáforas permeiam o livro. A principal delas talvez seja a referência ao filme Os Melhores Anos das Nossas Vidas (1946), de William Wyler, um clássico de Hollywood, em que os ex-combatentes têm que reaprender a viver depois da guerra. Para Paul Auster, todo norte-americano, após 11 de setembro, é um sobrevivente de guerra desafiado a reinventar a sua humanidade: "Até que você seja ferido, você não tem como se tornar um homem" (p.168). Miles Heller tem uma nova chance de corrigir um erro do passado, assumindo agora as consequências de seu antigo ato. Isso fará dele, mesmo que tardiamente, um adulto.

Numa linguagem madura, valorizando a literatura próxima da vida, Paul Auster constrói uma dolorosa imagem dos Estados Unidos, vendo-o a partir das histórias de pessoas sofridas, cujo símbolo é o bairro de Sunset Park, marcado pelo "vazio fúnebre da pobreza e pela luta dos imigrantes" (p.120). Seus personagens querem levantar uma casa, uma família, uma obra neste terreno precário de um agora instável.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]