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Janeiro já era. Agora é enfrentar este restinho de ano, sonhando com o que pode acontecer para nos livrar da rotina. Quando as férias terminam, estamos totalmente viciados em não fazer nada. Olhamos os sapatos sociais no armário com um sentimento de medo – voltaremos a nos acostumar a eles?

O mundo todo de novo nos martirizará, como uma forma de nos cobrar o mês vivido sem obrigações. A pior coisa será o trânsito diário, exigindo uma calma que já não temos. Parar em cada sinaleiro, enfrentar a irritação dos outros, não achar vaga para estacionar bem na hora em que estamos atrasados para algo, justamente para aquela reunião detestável. Duran­­te as férias, houve atrasos no trânsito e na estrada, mas isso era algo normal por não haver pressa. Demoramos o dobro do tempo para ir até a praia e nem reclamamos – estávamos tocados pelo espírito alegre do veranista. Agora, vestimos a roupa empertigada do trabalhador, daquele que deve otimizar o seu tempo. Então, qualquer coisa nos estressa.

Há ainda os compromissos adiados. Na volta, as primeiras semanas são para pôr as coisas em dia, as muitas tarefas que ficaram aguardando a normalidade do calendário. Então, é preciso trabalhar um pouco mais, e num ritmo acelerado, para que possamos dar conta de tudo.

Nada mais desagradável, no entanto, do que as contas a pagar. Abusamos do cartão de crédito, e agora as faturas denunciam nossa total falta de controle. Quantos meses levaremos para sanear as finanças? Mas quando nossas finanças estiveram saneadas? Nunca, não é verdade? Então, não fiquemos chateados. E olha que aquelas roupas de banho que compramos já estão até meio gastas e ainda não pagamos nenhuma das parcelas.

Neste estado de espírito, repetimos a velha promessa. Ano que vem, viajaremos com tudo planejado. Vamos abrir uma poupança e depositar um valor mensal para poder chegar em dezembro com uma reserva para as fé­­rias. O plano é ótimo. Todos es­­tipulam uma quantia por cabeça. Dá um montante plenamente absorvível pelo orçamento do­­méstico. Alguém entra na internet e já começa a sonhar com os destinos da próxima viagem. E a alegria se instala num momento em que o sonho de verão praticamente acabou.

Nas férias passadas, fizemos planos de economizar para o ano seguinte, e ninguém se lembrou depois. Viajou-se com as economias combalidas de sempre, e você sabe que não será diferente no próximo verão, mas isso não é coisa em que se pense num mo­­mento em que todos arquitetam uma temporada nos Lençóis Maranhenses, ou em algum outro lugar paradisíaco. Um parente sempre lembra que, com este valor, seria possível passar uma semana na Europa. E sua mulher então suspira. Paris, ah, Paris...

O melhor da viagem é imaginar a viagem. Então, as pessoas, ali, enquanto falam das férias vindouras, estão sendo felizes por an­­tecipação. E você lança a isca: po­­deríamos colocar o dobro na poupança e passar o mês inteiro na Europa. Os olhos dos interlocutores brilham de tal forma que subitamente a vida ganha sentido.

E é assim, embalados por essas possibilidades de uma temporada de férias que superará todas as outras – está certo que nenhuma delas foi lá grande coisa – que voltamos à rotina. Se você não viajou, esses planejamentos são ainda mais desvairados. Já pensamos até em financiar um motorhome e passar o mês todo vagando pelas praias do Nordeste. Poderíamos levar uns amigos. Vocês imaginaram a aventura? Uma praia por dia, jogos de baralho à noite, camaradagem nas deslumbrantes estradas do Brasil? – estradas que as matérias jornalísticas denunciam como assassinas, mas no calor daquele delírio não aceitamos que não sejam no mínimo deslumbrantes.

Esses projetos morrerão rapidamente. Tão rapidamente quanto o bronzeamento desaparecerá da pele daqueles para quem as férias acabaram.

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