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Em meio a umas poucas crianças, ela catava conchinhas na praia. Ele não resistiu a tanta inocência e leveza. Agachou-se ao lado dela e começou a procurar conchas na areia lavada pelas ondas. Quando encontrou uma inteira, ofereceu para ela.

– Essa não – ela disse.

Ele ficou com a concha estendida na direção daquela mulher meiga e distante. Indeciso, jogou no mar, pronto para levantar-se e seguir a caminhada.

– Pegue caquinhos assim – ela ordenou, abrindo a trouxa improvisada na camiseta e mostrando o conteúdo.

Por uns minutos, em silêncio, caçaram o tesouro infantil. Os dedos dos dois, sujos de areia, tocaram-se todas as vezes que ele lhe entregava um caco. E ela sempre ria.

– São notícias do mar – ela disse, mostrando a coleção.

– O mar está aqui – ele olhou para as águas lambendo os pés dos dois –, não precisa mandar notícias.

– Não falo deste. Que nem é mar. Só uma água mole. Falo do outro – e grudou os olhos na linha do horizonte.

Ficaram olhando o outro mar.

– Seria bom morar lá – ela suspirou.

– Num barco ou numa ilha?

– No fundo do mar – ela riu, seus dentes lembravam o branco mineral das conchas.

Ergueram-se. Era uma mulher linda, talvez tivesse uns 30 anos. Um pouco mais. Ele já passara dos 40. As crianças ainda caçavam conchas.

– Você quer conhecer meus pais? – ela perguntou, sem esperar resposta, pegando o pulso dele com a mão livre, a outra segurando o tecido com o tesouro.

Caminharam até uma casa cujos fundos dava para a areia. Por um portãozinho baixo, entraram. Um casal de velhos, que tomava suco na mesa da varanda, permaneceu inalterado enquanto eles se aproximavam.

– Olha as conchinhas que encontrei – ela disse, soltando do braço dele para abrir a camiseta.

– Vamos guardar – a mãe convidou, levantando-se.

– Num balde com bastante água, elas sentem falta do fundo do mar – a moça disse, saindo.

Ficaram apenas os dois homens. O velho ofereceu um copo de suco. O outro aceitou, mas não quis sentar-se.

– Nossa filha... – começou a dizer.

Algo não deixava o resto da frase sair.

– Bem, o senhor já compreendeu... – falou o pai.

– Sua filha é uma pessoa muito amável.

E, tomando o suco de uma vez, ele pousou o copo na mesa e partiu.

Na outra manhã, passou pela casa fechada. Teriam ido embora? Melhor assim. Caminhando na areia, sentia as conchas machucando a sola do pé, mas não iria apanhar nenhuma. À tarde, voltou àquela casa, embora ficasse longe de seu hotel, e bateu palmas. Viu um vulto na vidraça e logo o pai saiu.

– Eu poderia conversar um pouco com ela?

O velho não disse nada, estava virando-se para chamar a filha quando ela apareceu.

– Meu amigo voltou – ela disse, sorrindo.

– O senhor aceita uma cerveja? – perguntou o pai.

Ele fez que sim com a cabeça, ela o segurou pelo pulso e o arrastou até a mesa da varanda. Veio a bebida. Eles quase não falaram, perdidos na contemplação do pôr-do-sol.

– Você sabe nadar? – ela perguntou.

– Um pouco.

– E mergulhar?

– Nunca mergulhei.

Ele viu a decepção estampada naquele rosto maduro.

– Mas posso aprender – completou rapidamente e ela voltou a rir.

Passou todas as tardes ali. Era um namoro adolescente, trocavam alguns afagos, andavam pela areia, catavam conchas. E, juntos, guardavam a colheita. Ela não percebia que os pais, no mesmo dia, escondiam tudo na praia.

Findas as férias, ele não desejava voltar para sua cidade. Ela ficaria ali, tinham alugado a casa para o ano todo, a filha sempre sonhara morar na praia e, agora, com a aposentadoria, os pais resolveram fazer-lhe o gosto.

Na hora da despedida, ela chorou.

– Meu amigo não gosta mais do mar.

Ele beijou o rosto de menina, molhado de lágrimas, sentindo a força salina do mar.

Não falou nada. Os pais olharam-no com gratidão. Ele foi ao hotel, pegou a mala que deixara pronta, pagou a conta e partiu no carro, olhando a orla. Tinha a impressão de já ter morado no fundo do mar.

No final de semana seguinte, estava de volta à praia. Chegou no sábado depois do almoço e foi para a casa dela. Os pais não deixaram o amigo procurar um hotel. Dormiu no quarto de visitas. A filha mostrou o balde na lavanderia.

– As conchas fogem, voltam pro fundo. Lá, elas são felizes.

Ele gastou várias finais de semana na praia. Uma noite, a mãe dela levou o travesseiro do hóspede ao quarto da filha. Não disseram nada, mas não havia apreensão no olhar dos pais. Ele e ela dormiram juntos pela primeira vez, como dois primos que, na infância, dividem o colchão. Ela levantou alegre e disse aos pais:

– Meu amigo dormiu comigo. Não tem problema, né?

Os pais disseram que não tinha problema nenhum. Ele era um homem bom.

Tomaram café na varanda, olhando o mar. Depois ela foi para a lavanderia e logo voltou, emocionada.

– As conchas não fugiram...

Os pais tinham se esquecido de enterrar o tesouro.

– Será que preferem ficar comigo? – ela quase sorria.

Chegou a hora, o amigo pensou, e a pediu em casamento. Ela bateu palmas de alegria.

Casaram-se semanas depois, mudando-se para Ponta Grossa, onde os pais alugaram uma casa. O novo casal foi morar numa propriedade agrícola, herança do avô dele, até então usada apenas nos fins de semana. Nas imediações, ainda se acham conchas. Antes da elevação do continente, toda a região tinha sido mar. Os paredões de pedras, o chão de laje e o solo arenoso contavam uma história natural de milhões de anos.

Nas tardes, vagando pela propriedade, extasiados com a paisagem marítima, ela aponta os pássaros no céu.

– Como são bonitos esses outros peixes!

Ele, que nunca tinha sido tão feliz, ri daquele rosto de criança.

– É tão bom viver no fundo do mar – ela suspira, movendo suavemente as guelras.

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