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Evitamos visitas em nossa casa. Convidamos apenas uns poucos amigos, aqueles que fazem parte de nossa família afetiva, tão avessos nos tornamos a recepções, uma mania por estas bandas. Constituímos uma pequena família que gosta de ficar no quintal, dividir as redes e compartilhar algumas tarefas. Não que sejamos muuuuito felizes. Longe disso. Temos nossos conflitos, somos até meio tristes, com propensão a dramas. Mas dentro da tristeza geral que é a vida, há mínimos oásis de contentamento. Um contentamento relacionado à nossa casa, a pequenas coisas, como deitar no tapete da sala, com as luzes apagadas, e ficar conversando. Brigamos como todas as famílias, mas há instantes de comunhão.

Recentemente, um fato nos divertiu. Embora solitários, rimos de coisas tolas. Estávamos caminhando pelo bairro e, passando por uma casa recém-construída, vimos uma placa no jardim: "aqui mora gente feliz". Taí um episódio da psicologia humana que teria encantado Machado de Assis. A felicidade é a casa senhorial, o carro importado na garagem, o jardim cuidado por uma empresa, a mulher nova, bonita e carinhosa e a chance de fazer pública a felicidade. Ainda veremos propaganda em jornais e revistas, com o famoso título de "A pedido", com pessoas anunciando a felicidade comprada. Aliás, já temos tais matérias, pois é assim que funciona boa parte de nosso colunismo social. Todos são irritantemente felizes na coluna social.

E acho que também somos felizes, mas do nosso jeito, contrariando a famosa frase de Tolstói, segundo a qual "todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira". Nossa felicidade é egoísta – aliás, a verdadeira felicidade sempre é egoísta. Embora tenhamos sensibilidade, e soframos com as misérias dos mais pobres e com as misérias humanas em geral, algumas vezes ignoramos tudo para tentar o milagre da alegria.

Eu dizia que não gostamos de abrir a casa e o quintal para estranhos. É que possuímos um senso de propriedade exagerado. Nós nos sentimos confortáveis nos tantos metros quadrados de quintal e apreciamos cada cantinho da casa. Uma pessoa que não nos seja querida é um agente profanador. Nem animal temos, depois de variadas tentativas de criá-los.

Em certa manhã, ao começar o dia de trabalho, surpreendi-me com um sapo na entrada da biblioteca. Nunca encontramos sapos no jardim. Era natural que eu estranhasse a visita. Seus olhos imensos espiavam nossa vida. Poderia jogá-lo na rua para que um carro o atropelasse, punindo-o por tamanha ousadia, mas não fiz nada, e ele sumiu no meio das pedras que circundam a biblioteca, entre bromélias, bambus e outras plantas. E não contei o episódio a ninguém.

Numa tarde de chuva, minha filha me chamou. Um sapo queria entrar em casa pela porta dos fundos, que é de vidro. Lá estava o meu conhecido, forçando quixotescamente o vidro com as patas dianteiras.

Com um sentimento de comiseração, ficamos fitando o intruso. Então existem sapos que fogem da água? A chuva parou, ele desapareceu, mas não por muito tempo.

Com o calor e a grande quantidade de chuva, o manacá-da-serra que plantamos no ano passado encheu-se de botão e de flor, vergando seus galhos tenros, pois é muito jovem. Está florindo antes da hora. Minha filha também tem uma florada toda manhã, quando parte para a escola, nesta idade de quem freqüenta a quinta-série. Deixou de ouvir os músicos juniores, prefere rock e MPB. Nestas férias, leu, além de alguns títulos juvenis, um volume de contos de Oscar Wilde.

Não sei se a chuva e o calor estão influindo nestes novos comportamentos dela, mas, com certeza, o clima úmido incomoda muito o sapo sem-teto, que agora aparece todas as vezes que chove, na esperança de ser acolhido. Neste instante, enquanto escrevo a crônica, ele se infiltrou pela porta da biblioteca, que mantenho aberta na parte da manhã, e se alojou na estante dos lançamentos, obrigando-me a uma ação de despejo. Ao que tudo indica, é um sapo com hábitos civilizados, inimigo da natureza, da umidade e da vida entre os de sua espécie. Basta uma chuva para ele aparecer com o olhar melancólico de quem não é amado.

Na última tarde de domingo, choveu bastante. Um chuva intensa e calma. Desde criança me fascina a chuva. É uma espécie de pequeno feriado. As pessoas se recolhem e a cidade se esvazia. A paisagem assume um embaçamento próprio das pinturas impressionistas. Eu abro uma janela e recebo no rosto a garoa fria que o vento fabrica. Observo tudo se encharcar, as águas correndo no asfalto, a suspensão das urgências. Minha filha me acompanha nesta contemplação.

Estávamos namorando a chuva neste domingo quando me veio a lembrança de meus dias de menino. Eu não perdia uma chuva. Saía apenas de calção pelas primeiras avenidas calçadas de Peabiru e brincava livremente na enxurrada.

Sem pensar muito, convidei minha filha e fomos para fora, molhando-nos, sapateando na enxurrada e cruzando a rua vazia, irresponsáveis como crianças. Ficamos na folia até perceber que uma família vizinha, gente rica e requintada, com filhos pequenos, nos olhava de uma sacada coberta, talvez espantada com nossa falta de classe e urbanidade. Achei que nossa alegria ingênua era também uma placa dizendo: "aqui mora gente feliz". Constrangidos, fugimos para os fundos da casa e brincamos por mais um bom tempo.

A felicidade – sexual, familiar ou intelectual – jamais pode ser exibicionista. É uma coisa vivida em segredo. Para os outros, parecemos pessoas tristes, desclassificadas e sem graça, mas no quintal dos fundos, na solidão de nossos momentos íntimos e banais, somos felizes, felizes à nossa maneira.

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